Foi somente no ano de 1610 que a administração da vila de São Paulo decidiu construir um pelourinho. Mas o que era, afinal, um pelourinho? Tratava-se de um monumento existente nas povoações coloniais importantes, simbolizando a autoridade local. Seria motivo de orgulho para os moradores, não fora o fato de que era nele que quase todos os condenados por delitos punidos com açoites ficavam presos para o castigo público, e isso não acontecia somente com escravos, ao contrário do que muita gente pensa. De acordo com as Ordenações do Reino (¹), a pena era aplicada, por exemplo, para quem benzesse cães sem autorização da Igreja, para quem usasse vestuário do sexo oposto e para quem cometesse algum furto, fosse o ladrão escravo ou livre.
Voltemos, agora, ao pelourinho de São Paulo. A ata da Câmara na qual se trata da edificação do monumento é interessante porque traz uma descrição detalhada do modo pelo qual deveria ser feito - será que os "homens bons" da vila, aqueles da "governança da terra", teriam pensado em nossa curiosidade, séculos depois? Diz o documento:
"Aos vinte e três dias do mês de maio do ano presente de mil e seiscentos e dez [...] se ajuntaram os oficiais da Câmara e sendo juntos se concertaram com Fernão D'Alves, aqui morador, para que fizesse o pelourinho desta vila, o qual disse que se obrigava por sua pessoa e bens a fazer o pelourinho dessa vila na forma e maneira seguinte: de tijolo cozido e barro, de doze pés em quadra e de três degraus de alto, com degraus de palmo e meio, e de fazer o que for necessário para que fique [...] composto e proporcionado e de altura de vinte e dois palmos do degrau para cima e de grossura de quatro palmos por cada face, o que tudo se obriga a fazer por preço e quantia de seis mil réis, pagos a terça parte em dinheiro ou ouro e as outras duas partes em pano de algodão [...]." (²)
Notem, leitores, que:
- O valor contratado seria apenas parcialmente pago em dinheiro porque, na época, era reduzidíssimo o meio circulante no Brasil. Fazia-se o comércio, habitualmente, apenas em mercadorias, sendo algumas delas usadas como moeda. Uma dessas era o tecido de algodão, que é mencionado nessa ata da Câmara de São Paulo;
- É muito interessante a menção ao possível pagamento parcialmente em ouro. Nesse tempo paulistas já esquadrinhavam o sertão, de perto e de longe, à procura de metais preciosos. Modestas como fossem, ainda, as aquisições resultantes, já permitiam que a Câmara da vila de São Paulo pudesse, com orgulho, oferecer pagamento em ouro. Era, certamente, um atrativo ao prestador do serviço.
A administração da vila pretendia que o pequeno monumento fosse concluído no mesmo ano de 1610. A primeira menção a seu uso aparece em uma ata de 1612, quando, sendo necessária uma proclamação pública, ordenou-se que fosse o documento afixado no pelourinho, por não haver, naquele momento, um porteiro que, em altos brados, fizesse a leitura aos moradores no fim da missa de domingo, conforme o costume: "[...] disto mandaram que se pusessem escritos no pelourinho e nas partes públicas, por não haver porteiro [...]" (²).
(1) Basta folhear o Livro V das Ordenações.
(2) Os trechos citados das atas foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo de alguma pontuação para torná-los compreensíveis aos leitores de hoje.
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