sexta-feira, 22 de abril de 2016

Novelos de algodão em lugar de moedas

Retratadas por Debret, algumas moedas
que circularam no Brasil, do Período Colonial
ao início do Império (¹)
A coisa pode até parecer contraditória, mas é fato que colonizadores que vinham ao Brasil pretendiam enriquecer na terra. Na terra, porém, quase não havia dinheiro circulando.
Uma das razões que faziam com que colonizadores da Capitania de São Vicente fossem fascinados pela nomeação para um cargo público é que o salário era pago em dinheiro, moeda viva e contada do Reino. A administração do cofre pertencente ao Juizado de Órfãos era, por razão semelhante, objeto da cobiça nas povoações coloniais.
O governo português não conseguia sanar o problema da escassez de dinheiro; medidas que alteravam o valor nominal das moedas existentes acirravam os ânimos dos colonos e fermentavam rebeliões. 
O próprio governo colonial tinha dificuldade em fazer pagamentos em dinheiro. Em 1576, ao autorizar a fundação de um Colégio Jesuíta em Olinda, El-Rei determinou que fosse paga, para sustento dos padres, a quantia anual de quatrocentos mil réis. Logo, porém, a dotação sofreu mudança:
"Faz El-Rei nosso senhor esmola ao colégio de Nossa Senhora da Graça, da Companhia de Jesus, da vila de Olinda, de oitocentas arrobas de açúcar branco e cem arrobas de açúcar de somenos, e não há de haver mais os quatrocentos mil réis conteúdos neste Regimento, como mais largamente é declarado na Carta de Doação [...]." (²)
O que se vê é que a própria administração colonial recebia em espécie os impostos pagos pelos proprietários de engenhos de açúcar, daí porque repassava a "esmola" de El-Rei aos jesuítas também em espécie, e não em dinheiro amoedado. Aos jesuítas competia, pois, negociar o açúcar recebido como mais conviesse, para assegurar a manutenção dos religiosos que administravam o Colégio de Olinda. 
Na rotina diária, o que acontecia entre a população é que, pela falta de moeda corrente, as trocas eram feitas em mercadorias, e, dentre elas, alguma acabava "eleita", temporariamente, como tosco equivalente universal, sendo o açúcar um dos exemplos mais comuns em todo o Brasil. Um caso bastante curioso parece ter ocorrido no Pará, segundo relatou o cônego Francisco Bernardino de Sousa em suas Lembranças e Curiosidades do Vale do Amazonas, afirmando que só em 1749 as moedas oficiais começaram a circular em Belém: "Até então o dinheiro que havia em circulação era novelos de algodão e outros gêneros, que tinham valores determinados." (³)

(1) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) Cf. MORAES, Alexandre José de Mello. Crônica Geral do Brasil vol. 1. Rio de Janeiro: Garnier, 1886, p. 100.
(3) SOUSA, Francisco Bernardino de. Lembranças e Curiosidades do Vale do Amazonas. Belém do Pará: Typ. do Futuro, 1873, p. 53.


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