quinta-feira, 22 de abril de 2021

Três "tigres" para Carlos V

Onça-pintada (Panthera onca)
Depois de derrotar os astecas e tomar Tenochtitlán, sua capital, Hernán Cortés tratou de enviar a Carlos V, rei da Espanha e mandatário supremo do Sacro Império Romano-Germânico, a parte que lhe correspondia do tesouro asteca e do valor relativo aos escravizados. Juntamente iam cartas, contendo relatórios detalhados da guerra e das riquezas que essa "conquista" adicionava ao jovem soberano. Além disso, era intenção de Cortés que ninguém que não ele próprio fosse nomeado governador do território a que se deu o nome de Nova Espanha.
Sabe-se, por informação de Bernal Díaz del Castillo, um dos soldados que acompanhavam Cortés, que os navios que partiram rumo à Espanha no final de 1522 levavam, também, um curioso e complicado presente para Carlos V: "[...] partiram do porto de Veracruz no dia vinte do mês de dezembro de 1522 anos [...], e no caminho se soltaram dois tigres [sic] dos três que levavam e feriram a alguns marinheiros, e entraram em acordo de matar o que restava, porque era muito bravo e não podiam mantê-lo sob controle [...]" (¹).
Pobres animais expatriados! Não sabemos, ao certo, o que aconteceu aos dois primeiros, e bem pode ser que tenham escapulido e voltado ao seu habitat; o terceiro, porém, não teve tanta sorte. Agora, leitores, cabe recordar que tigres não são nativos do Continente Americano. Colonizadores tinham o costume de chamar "tigre" ao jaguar (Panthera onca), que, no Brasil, é mais conhecido como onça-pintada. Trata-se do maior felino das Américas e exemplares adultos podem passar dos cem quilos. Não é surpresa, portanto, que o malfadado presente destinado a Carlos V tenha ficado pelo caminho.
Sem tigres, ou melhor, sem onças, os navios seguiram viagem, apenas para ter sua missão fracassada diante de um ataque corsário, comandado pelo francês Jean Florin (²). O impacto foi enorme. Cartas, mapas, descrições feitas por Cortés e outros espanhóis caíram nas mãos de Francisco I, rei da França, e serviram de guia em navegações posteriores, empreendidas por franceses, com o propósito de fincar o pé no Continente Americano. Nas palavras de Bernal Díaz, "[...] toda a França estava maravilhada das riquezas que tínhamos enviado a nosso grande imperador, e o próprio rei da França cobiçava ter parte nas ilhas de Nova Espanha [...]" (³).
Anos depois, Florin, o notável corsário que tão igualmente notável prejuízo causara à Espanha, foi capturado e conduzido a Sevilha. Foi enforcado - alguém imaginaria outra coisa?  Sob a perspectiva da Espanha deve ter sido, convenhamos, uma vingança magra, pelo tamanho do desaforo.

(1) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. Os trechos citados nesta postagem foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Também chamado Jean Fleury.
(3) CASTILLO, Bernal Díaz del. Op. cit.


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