quinta-feira, 13 de agosto de 2020

A busca por um tesouro, um imperador aprisionado e a colocação de uma cruz no principal templo asteca

Tendo chegado e conseguido entrar em Tenochtitlán, a capital asteca, Hernán Cortés se fez convidar pelo imperador Montezuma para ir visitar o principal templo da cidade. Os astecas, como se sabe, eram politeístas e, em seus rituais, incluíam a prática de sacrifícios humanos. Em lá chegando, Cortés teve a ideia de propor a Montezuma que se desfizesse de seus deuses, substituindo-os pelas práticas religiosas que os espanhóis traziam: "Para que vossa majestade e todos os seus sacerdotes  saibam, faça-me o favor e tenha por bem que no alto desta torre coloquemos uma cruz, e junto aos santuários [...] ponhamos uma imagem de Nossa Senhora [...]" (*).
Qual imaginam, leitores, foi a reação de Montezuma? Ficou furioso, é claro, e respondeu, ainda que mantendo a compostura: "[...] Se soubesse que tal desaforo me havias de dizer, não te mostraria meus deuses, que consideramos muito bons, nos dão saúde, água e boas colheitas [...], e a eles temos de adorar e oferecer sacrifícios. Peço que não sejam ditas outras palavras para desonrá-los" (*).
Sabemos desse diálogo porque Bernal Díaz del Castillo, um dos soldados espanhóis, escreveu, muito tempo depois, um relato da chamada "conquista do México", no qual o incidente é referido. Mas, entrando, por um instante, nos domínios da chamada História Contrafactual, convido os leitores a uma reflexão sobre o que poderia ter acontecido se Montezuma, em lugar de ficar furioso com a proposta de Cortés, houvesse concordado, fosse por medo ou curiosidade, ou sabe-se lá que outro sentimento. Tocando as bordas do absurdo: o que sucederia se os astecas houvessem, em massa, decidido que, daí por diante, seriam todos cristãos, pondo de lado suas seculares práticas politeístas? Teriam os espanhóis, num arroubo de alegria, festejado os novos irmãos de fé e, cristãmente, saído do México para ir à Espanha notificar a "seu rei e natural senhor" o sucesso de sua expedição missionária? Quem é que acredita na possibilidade de uma coisa dessas?
Ora, amigos leitores, o bando de aventureiros europeus (espanhóis, majoritariamente), não fora tão longe, passando por tantos riscos e privações, simplesmente pela glória de plantar uma cruz na mais importante pirâmide escalonada do México. Não, a expectativa era outra: riqueza, e muita riqueza, tão rapidamente quanto possível. Que fariam eles, se Montezuma e sua gente concordassem em se fazer cristãos? Iriam, ainda assim, aprisionar o imperador e exigir o gigantesco tesouro, cuja localização haviam, incidentalmente, descoberto?
Posteriormente, tendo aprisionado Montezuma, que, por algum tempo, foi conservado como uma espécie de imperador fantoche, para evitar agitações populares, Cortés impôs aos astecas a concessão de um lugar para símbolos cristãos no templo. Sem capacidade para reagir, Montezuma, a contragosto, teve que concordar. Seguimos com a narrativa de Bernal Díaz: "[...] Montezuma, ainda que com suspiros e semblante muito triste, disse que conversaria com os sacerdotes, e, depois de muitas palavras com eles, se pôs uma altar nosso, afastado de seus malditos ídolos, e a imagem de Nossa Senhora e uma cruz, e com muita devoção e dando graças a Deus, disseram missa cantada o padre da Mercê,  e ajudava a missa o clérigo Juan Díaz e muitos de nossos soldados; ali nosso capitão [Hernán Cortés] mandou pôr um soldado velho como guarda, e pediu a Montezuma que mandasse aos sacerdotes [astecas] que não tocassem em nada, salvo para varrer, queimar incenso e para pôr candeias de cera ardente dia e noite, ramos e flores" (*). 
Creio que são dispensáveis mais palavras para elucidar como andava a suposta "catequese". A Bernal Díaz faltou apenas a ideia de dizer que, para homens tão devotos, como aqueles do bando de Cortés, só mesmo a canonização seria uma recompensa adequada.

(*) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. Todos os trechos citados foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


2 comentários:

  1. Seria mesmo assim? A História é escrita pelos vencedores, e não há qualquer dúvida quanto ao lado de Bernal Díaz del Castillo.
    Imagino o quanto qualquer historiador gostaria de lá ter estado!

    Um bom domingo, Marta :)

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    Respostas
    1. Há outros relatos, mas não discordam nesse ponto. Quanto a esse acontecimento, especificamente, com a ressalva da perspectiva, deve ter sido assim mesmo. A religião funcionava como ferramenta de justificativa ideológica da invasão e/ou conquista.
      Tenha uma ótima semana!

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