terça-feira, 4 de agosto de 2020

Traje de passeio para uma dama sofisticada do começo do Século XX

O que vocês chamam de traje de passeio, leitores? Talvez respondam: Depende do passeio!... Direi, então, sendo esta a resposta, que estou de acordo com vocês. Ninguém vai ao teatro com o mesmo traje de quem faz um passeio matinal pela praia, e não se caminha por uma trilha junto à natureza com as mesmas roupas que se usaria para ir a um concerto. Não, pelo menos, em condições normais. Isso é parte, digamos, de uma espécie de código social subentendido, concordam?
Consideremos, então, o que poderia vestir uma dama elegante que vivia no Rio de Janeiro no começo do Século XX. O modelo que se vê ao lado foi, provavelmente, reproduzido de alguma publicação parisiense, e apareceu em 1906 na revista carioca O Malho, com o título: "Vestido para passeio diurno" (¹). A legenda apresentava esta descrição:
"De linho branco bordado com incrustação de rendas. Saia colante nos quadris e muito ampla na barra. Bolero com dragonas e mangas de renda fina disposta em babados. Camiseta de tulle presa por um longo cinto verde escuro. Chapéu de palha fina com larga copa de gaze plissé e três grandes plumas."
Tanta roupa para um passeio, no Brasil, no Rio de Janeiro! A inadequação ao clima fica evidente, embora a mesma publicação, na mesma página, destacasse a vantagem do uso de tecido branco, sob a autoridade de ser moda na França:
"Pois não imaginam de certo qual é a cor que ultimamente ganhou voga imensa, dominando a moda em todas as cidades elegantes da França. O branco.
Não é infeliz desta vez o capricho da moda. O branco, especialmente para o clima do Rio de Janeiro, é uma cor que sempre fica bem para todas as toilettes, desde o mais aparatoso vestido de baile até o mais simples vestuário de passeio pela manhã.
E com os tecidos modernos leves e vaporosos como sonhos, ou bordados com luxo de minaretes góticos [sic], pode-se fazer combinações variadíssimas do mais belo efeito." (²)
Já era, convenhamos, um progresso, porque no século precedente, quando o trabalho escravo era regra na capital do Brasil, era aos cativos e cativas que se reservava o vestuário branco, de modo que toda a gente de condição livre evitava roupas dessa cor.  No entanto, nesse modelo de 1906 ainda havia tecido e sobreposições em demasia, não só porque o recato da época ordenava, mas porque era moda em Paris. A suposta elegância tinha prioridade sobre questões como higiene e saúde.

(1) O MALHO, Ano V, nº 210, 22 de setembro de 1906.
(2) Ibid.


Veja também:

2 comentários:

  1. Toda a preparação exigida esgotaria a minha vontade de passear (quer-me parecer). Quanto tempo demoraria a vestir tais apetrechos!?

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    1. Talvez o passeio fosse só um pretexto para a exibição do vestido...

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