quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Hernán Cortés e a conquista da capital asteca

Noventa e três dias foi quanto durou o cerco a Tenochtitlán, a capital asteca, empreendido por europeus, cujo comandante era o espanhol Hernán Cortés, e por indígenas aliados, principalmente tlaxcaltecas. 
Depois de ser escorraçado de lá em 1520, quando só a duras penas sobreviveu, tendo perdido mais de oitocentos homens, Cortés se preparou como podia para voltar. Reorganizou soldados e aliados, obteve mais cavalos e armas e fez construir embarcações, treze bergantins, que poderiam apoiar o cerco pela água. Era uma providência fundamental para quem queria conquistar uma cidade que estava, literalmente, construída, em grande parte, em uma ilha lacustre.
O processo de cerco e conquista seguiu as práticas comuns em guerras antigas, e que, com adaptações circunstanciais, vigoravam ainda no Século XVI. Tenochtitlán foi cercada por tropas, o suprimento regular de água foi cortado e o de alimentos dificultado. Escaramuças contínuas tinham por objetivo ir minando a resistência dos defensores, enquanto pontes e casas em áreas conquistadas iam sendo destruídas pelo fogo e, não sendo isso possível, eram demolidas. Espionagem e captura de inimigos, dos quais se arrancavam informações, não foram negligenciadas. 
Em termos de planejamento, talvez parecesse uma conquista fácil, mas não foi. O exército à disposição de Hernán Cortés era pouco numeroso e a resistência asteca, raiando ao heroísmo, chegou a provocar nos invasores dúvidas atrozes quanto à possibilidade de vitória. Cortés dividiu a gente que o acompanhava em três grupos, que deveriam atacar a partir de pontos estratégicos. Cada grupo tinha, além de combatentes a pé, alguns cavalarianos, balestreiros e escopeteiros, bem como bergantins com a respectiva tripulação. Índios aliados, em maior número, reforçavam o contingente.
A primeira grande providência, segundo Bernal Díaz del Castillo, soldado espanhol a serviço de Cortés, foi danificar a estrutura que fornecia água à capital asteca: "[...] indo quebrar os tubos, encontramos muitos guerreiros [astecas], que nos esperavam no caminho, porque tinham entendido corretamente que aquele seria o primeiro dano que lhes poderíamos fazer [...], e lhes quebramos os tubos por onde a água ia à sua cidade, e desde então nunca mais foi ao México enquanto a guerra durou" (¹).
O conflito, porém, estava longe de acabar, porque durante a noite uma infinidade de canoas cruzava o lago, vindo de povoações adjacentes, para levar água e alimentos à cidade. Entendeu-se que os bergantins deveriam entrar na luta para impedir a ação dos canoeiros. Obtiveram sucesso limitado, porque algumas canoas sempre escapavam e, além disso, os astecas logo descobriram que, colocando estacas no fundo do lago, as embarcações dos espanhóis ficariam impossibilitadas de navegar. Sua audácia foi tanta que chegaram mesmo a capturar um dos bergantins. Os combates eram contínuos, obrigando os espanhóis, em seus acampamentos, a uma vigilância permanente, dia e noite. O próprio Cortés quase morreu, e só foi salvo pela interferência de um soldado que, na ação, acabou perdendo a vida. Soldados feridos eram obrigados a ir à luta, até porque quase não havia entre eles quem estivesse em completa saúde. Com o passar do tempo, as tripulações dos bergantins encontraram um modo de navegar, a despeito das estacas na água, e, desde então, foram de maior utilidade. 
A captura de alguns astecas ofereceu informações que Cortés não desprezou. Havia ainda uma fonte de que a cidade se servia, e medidas foram prontamente adotadas para inutilizá-la. "[...] chegamos ao lugar em que tinham a fonte", disse Bernal Díaz, "[...] a qual quebramos e desfizemos para que não se servissem dela [...]" (²). 
Várias vezes Cortés enviou mensageiros com propostas de paz, que foram rechaçadas. Havia medo entre os astecas em relação ao que poderia acontecer, principalmente quanto à escravização dos derrotados, pois já chegara à cidade a informação de que inimigos capturados eram, usualmente, não só escravizados, mas tinham essa condição marcada no rosto a ferro quente. Presentes enviados por Cortés ao imperador Cuauhtémoc não foram suficientes para convencê-lo a depor as armas. A luta, portanto, continuou. 
Gradualmente e com grandes dificuldades os espanhóis foram conquistando terreno. Ao chegar perto da praça central da cidade já havia espaço aberto em que cavalos pudessem correr e, com a miséria reinando entre a população sitiada, gente faminta começou a aparecer nos acampamentos espanhóis. A fome e a sede, neste caso, deviam ser maiores que o medo.
Agora, a captura do imperador e seu séquito, que haviam se refugiado em um ponto da cidade que somente poderia ser alcançado por água, era apenas questão de tempo. Segundo Bernal Díaz, Hernán Cortés "ordenou a Gonzalo de Sandoval que entrasse com os bergantins no sítio e rincão da cidade onde se refugiavam Guatemuz (³) e toda a flor de seus capitães e pessoas mais nobres que havia no México" (⁴). Cuauhtémoc tinha, porém, canoas prontas para a fuga, e ainda fez uma tentativa desesperada nesse sentido - inútil, porém: "[...] Garci-Holguin alcançou as canoas [...] em que ia Guatemuz (³), [...] e soube que era o grande senhor do México, e deu sinais para que o aguardassem, mas não queriam e fez como se fosse atirar com escopetas e balestras, e Guatemuz (³) teve medo daquilo, e disse: "Não atirem, que sou o rei do México e desta terra, e peço que não toquem em minha mulher e nem em meus filhos [...], mas que me tomem e me levem até Malinche"." (⁵) "Malinche" era, conforme Bernal Díaz, o modo como os astecas se referiam a Cortés. 
Assim terminaram os noventa e três dias de cerco. Bernal Díaz, algo tagarela como escritor, assinalou a data do acontecimento: "Guatemuz (3) e seus capitães foram aprisionados em 13 de agosto, à hora de vésperas, dia do senhor Santo Hipólito, ano de 1521 [...]. Choveu, trovejou e relampejou aquela noite, e até meia-noite muito mais que outras vezes" (⁶).
Entre os vencedores atribuiu-se tudo à intervenção divina e houve muita festa. Posteriormente, Hernán Cortés não teve escrúpulos em torturar o jovem imperador capturado, para que revelasse o esconderijo de tesouros. Cuauhtémoc foi executado por enforcamento em 26 de fevereiro de 1525, na suposição de que andava tramando uma revolta contra os novos senhores daquilo que fora, até bem pouco tempo, o Império Asteca.

(1) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Ibid.
(3) Cuauhtémoc.
(4) CASTILLO, Bernal Díaz del. Op. cit. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(5) Ibid.
(6) Ibid.


Veja também:

6 comentários:

  1. Li o relato, pausadamente, embora tenha alguma suspeita sobre Bernal Diaz. Coisas minhas, entenda-se, baseadas apenas na intuição. Quanto mais lia, mais a minha simpatia pelos aztecas se acentuava, apesar de saber que os maias os odiavam por os submeterem a uma quase escravidão. Mas... que dizer dum grupo de barbudos, ansiosos de fortuna e de agradar ao chefe (rei espanhol), e cuja barbaridade facilmente justificavam na religião católica?
    Não, para lá da isenção histórica, muito facilmente eu defenderia o mundo azteca. Apesar de.

    Uma boa semana, Marta :)

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    1. Bernal Díaz escreveu quando já idoso, e sua obra, portanto, não é um diário de guerra, mas um livro de memórias, com virtudes e limitações. A favor dele está o fato de ter sido testemunha ocular de quase tudo que relatou, por ter participado ativamente dos combates, como soldado do grupo comandado por Hernán Cortés. Foi parcial no que escreveu? Talvez, ao menos no modo como interpretou os acontecimentos. Não se poderia esperar outra coisa. Seu objetivo, conforme afirmou nas páginas finais da obra, foi mostrar o valor dos soldados comuns, que entendia subestimados. Em seus dias era comum dar realce às pretensas façanhas de Cortés, Alvarado, Sandoval e outros, que sempre se julgaram os verdadeiros heróis. Uma comparação entre os escritos de Bernal Díaz e as cartas de Cortés, por exemplo, deixa isso muito claro. Hernán Cortés escrevia para garantir que a Coroa espanhola lhe desse as recompensas que julgava merecer. Tinha defensores poderosos na Corte, além de muitos inimigos (tão poderosos quanto ou mais). Quem pensaria nos soldados comuns? Essa era a queixa de Bernal Díaz, e ainda voltaremos a esse assunto aqui no blog.
      Quanto aos astecas, fizeram dos sacrifícios humanos uma espécie de razão de Estado: jovens fortes, dentre os inimigos derrotados, eram sacrificados em honra dos deuses. É óbvio que essa prática enfraquecia as possibilidades de resistência dos povos dominados. Por isso, sem mais rodeios, é preciso reconhecer que, antes da chegada dos espanhóis, os astecas eram, sim, opressores dos povos forçados a integrar seu império, sustentando-o com pesados impostos. A invasão liderada por Cortés colocou-os, porém, na condição de oprimidos, assistindo à aniquilação do império de que, até pouco antes, tanto se orgulhavam. Contudo, pergunto: não seriam as execuções do “braço secular”, a serviço da Inquisição na Espanha e em outros lugares, algo parecido, no sentido de que enfraqueciam o ânimo de quem imaginava se opor à Igreja e à Coroa? Mais ainda: com as devidas modificações, não haverá muita coisa semelhante no mundo, até hoje?
      É muita coisa para pensar, não?

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  2. Gostei muito da sua resposta, Marta. Obrigado.

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  3. Anacronismo,sempre podemos nos valer dele,mas não em demasia!
    O q pensariamos,hj,de um povo,q faz sacrifícios humanos,com requintes de crueldade , q faria inveja, a série de filmes "Saw" ,ou " Sexta feira 13"?
    Imaginem isso,a 500 anos atrás,com homens iletrados,preconceituosos ao extreno,supersticiosos, e fanáticos religiosos?
    " Vamos matar todos esses pagãos!"

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    1. Nisso consiste, Édis, a importância, nunca exagerada, de analisar os dois lados de uma questão (ou mais de dois, se for o caso), quando se quer entender devidamente o processo histórico. Neste caso, há o "lado" dos astecas, o "lado" dos invasores que acompanhavam Cortés, o "lado" de outros povos dominados pelos astecas. E, se quisermos, dentro do próprio grupo de Cortés havia gente com interesses distintos e perspectivas que não se harmonizavam.

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