quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Abusos decorrentes do escambo persistiam no Século XIX

Em outra postagem, já tratei da questão dos abusos que eram cometidos contra indígenas durante a prática do escambo no Brasil Colonial. É verdade que as trocas de objetos começaram de forma amistosa, e pode-se dizer, sem receio de erro, que foram importantes para que europeus e indígenas travassem contato com elementos culturais diferentes dos seus. Não foram, portanto, más em si mesmas - maus foram os resultados.
A dificuldade apareceu quando diferenças de mentalidade levaram a trocas extremamente desfavoráveis aos indígenas. Colonizadores tinham sede de lucro, enquanto indígenas entendiam as coisas pela sua utilidade e não estavam habituados às estratégias comerciais. Acabavam, quase sempre, prejudicados.
O que pretendo mostrar, hoje, é que as práticas abusivas no escambo não ficaram restritas aos tempos coloniais. Mercadores que percorriam os rios da Amazônia no Século XIX chegavam a aldeias indígenas longínquas e, depois de ganhar a confiança dos moradores, propunham trocas. Um relatório apresentado à Assembleia Legislativa do Pará em 1862 pelo conselheiro Brusque (¹) e citado pelo Cônego Francisco Bernardino de Sousa (²) dizia que uma forma de exploração dos indígenas chegava bem perto do trabalho escravo:
"Para logo os destina à colheita de castanha, à extração de salsa (³) e de outros produtos naturais, e quando passados três ou quatro meses de árduo trabalho, regressa [o indígena] ao grêmio da aldeia, ele [o comerciante] lhe faz a conta de modo que o mísero índio lhe fica devendo ainda (⁴)."
As trocas, propriamente, eram quase sempre injustas:
"No Gurupi um corte de calças de algodão ordinário, que custa nesta cidade 1$000 (⁵), é dado ao índio em troca de um pote de óleo de copaíba, que contém uma canada e meia a duas canadas, e que vale por conseguinte neste mercado 20$000 (⁶).
Uma arma de fogo ordinária no valor de 5$000 é dada em troca de três potes de óleo.
Um barril de pólvora que custa 17$000 é o equivalente de 8 potes (7)."
O mesmo autor assegurou que procedimento análogo era adotado em outras localidades. Assim seguia o escambo, até o momento em que, percebendo o quanto eram explorados, indígenas se revoltavam e episódios violentos chegavam a ocorrer.

(1) Francisco Carlos de Araújo Brusque.
(2) Encarregado dos trabalhos etnográficos da Comissão do Madeira.
(3) Salsaparrilha.
(4) SOUSA, Francisco Bernardino de. Pará e Amazonas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874, p. 133.
(5) Mil réis. 
(6) Vinte mil réis.
(7) SOUSA, Francisco Bernardino de. Op. cit. p. 133.


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2 comentários:

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