quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Problemas decorrentes do escambo entre europeus e indígenas

O início auspicioso - troca de presentes entre portugueses e índios, de acordo com o que conta Pero Vaz de Caminha na Carta do Descobrimento (¹) - não impediu que, depois de algum tempo, o relacionamento entre europeus e nativos se deteriorasse.
Antes de mais nada, é preciso lembrar que os índios, com razão, se consideravam os donos da terra, embora relatos da época deem conta de que também eles diziam que a haviam ocupado, depois de dominar outros povos; por outro lado, os portugueses viam-se como conquistadores e, portanto, julgavam-se com o direito de explorar o território "descoberto" de acordo com seus interesses. Isso, por si, já bastaria para explicar os conflitos que vieram a permear o relacionamento entre brancos e índios.
Mas não era só.
Outros europeus, que não os portugueses, também acharam muito interessante a ideia do escambo e passaram a enviar embarcações à América, com a finalidade de estabelecer relações com a população nativa, de modo que a troca de mercadorias viesse a ser possível. Nisso, ao menos no século XVI, os franceses foram os de maior destaque: há, da época, inúmeras referências ao combate em pleno mar entre portugueses e esses "intrusos", que já iam de retorno à Europa com belas cargas de pau-brasil e outros artigos. Hans Staden, alemão que andou pelo Brasil no século XVI (²), observou, enquanto prisioneiro dos tupinambás, que franceses vinham à região da atual Niterói para negociar a troca de produtos europeus por macacos, papagaios e pimenta.
A questão que daí decorria é que, ao estabelecerem esse intercâmbio com franceses, os nativos passavam a considerar-se inimigos dos portugueses.
Explica-se: os índios não estavam, há séculos, sentados placidamente nas belas praias brasileiras, a esperar que um dia, finalmente, os portugueses os encontrassem; havia, por suposto, entre os povos indígenas, toda uma dinâmica de relacionamentos, tanto de amizade quanto de inimizade (como, aliás, acontece mundo afora, explícita ou disfarçadamente), e os europeus que vieram às terras da América do Sul foram, ainda que contra a vontade e, algumas vezes, valendo-se disso, arrastados a esse cenário, daí dizerem os tupinambás a Hans Staden que não gostavam dos portugueses porque eles eram "amigos de seus inimigos".
Portanto, querendo ou não, portugueses, franceses e outros europeus viram-se, através do escambo, metidos em intrigas tribais que, não raro, acabavam tendo consequências desastrosas.
Finalmente, é preciso salientar que não era incomum que comerciantes portugueses fornecessem aos índios mercadorias de muito má qualidade, fato que provocava revolta, ao ponto de autoridades terem de interferir contra essa injustiça. É disso que trataremos nas próximas postagens.
 
(2) Veja a postagem "Dormir em redes - Parte 1".


2 comentários:

  1. Encontrei um pedaço de porcelana num sambaqui,como ele estaria ali,estava enterrado no mangue junto a um barranco e raízes,seria fruto de um escambo?
    Ali só tem conchas,artefatos dos povos primitivos,como machados etc.

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    1. Olá, Rolf Hendel,
      Admitindo que o sambaqui estivesse intacto (o que é raro, mas parece ser o caso, pelo que você descreveu), é possível, sim, que o fragmento de porcelana seja resultado de escambo. Há também a considerar a hipótese de que fosse parte de algum objeto que chegou ao litoral depois de um naufrágio, o que também não era incomum.
      Sempre é bom lembrar, no entanto, que, nos primeiros tempos de colonização, os europeus (portugueses, em sua maioria), remexiam os sambaquis porque queriam obter cal para pintura das casas feitas de taipa, e, para isso, usavam conchas trituradas.
      Como você não mencionou o local do sambaqui, fica difícil pensar em outras hipóteses. Uma boa ideia seria, portanto, informar sobre o fragmento de porcelana a um centro especializado (museu arqueológico, universidade, etc.), em que seja possível fazer a datação e identificação da origem do material (onde e quando a porcelana teria sido fabricada). Lembro, também, que, em casos como o que você descreveu, é muito importante fotografar o lugar em seu estado original, sem mover nada de posição, já que qualquer alteração poderia comprometer os resultados de estudos posteriores.
      Seu achado é muito interessante e certamente vale mais pesquisas. Quando descobrir algo novo, não deixe de passar por aqui para contar.

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