terça-feira, 21 de agosto de 2012

Indígenas ou europeus: quem obtinha maior vantagem com o escambo?

Em termos absolutos, os europeus levavam grande vantagem com o sistema de trocas que estabeleceram com os índios: forneciam mercadorias de pouco valor na Europa, recebendo, por elas, produtos que podiam, depois, vender por alto preço.
É fato, porém, que, para os índios, que até então dispunham apenas de ferramentas de pedra, parecia ser bom negócio obter instrumentos de metal, ainda que desde logo tenha havido a preocupação de autoridades portuguesas no sentido de impedir o fornecimento de armas, pelos riscos que poderiam representar no futuro (¹).
Machadinha de pedra (artesanato guarani
de confecção recente)
Os povos indígenas do Brasil não tinham, ao que sabemos, alguma forma de escrita, mediante a qual possamos, hoje, conhecer quais eram suas impressões sobre o que estava acontecendo nos primeiros tempos da presença europeia. Isso significa que nos resta, apenas, o testemunho dos europeus ou dos de origem europeia, o que talvez signifique uma visão um tanto parcial dos fatos, impondo, portanto, uma análise criteriosa. Mas, pelo seu interesse, cito aqui um relato de Frei Vicente do Salvador, no qual dá sua versão da atitude de uma tribo em relação às mercadorias que obtinham dos portugueses.
Segundo ele, nessa tribo era usual que, quando alguém chegava de uma longa viagem, fosse saudado por um coro de lamentações sobre o desgosto que sua ausência causara, de modo que o mesmo acontecia em relação aos portugueses que, vindo de longe, apresentavam-se para o escambo:
"... e então lhe trazem de comer, o que também fazem aos portugueses que vão às suas aldeias, principalmente se lhes entendem a língua, maldizendo no choro a pouca ventura que seus avós e os mais antepassados tiveram, que não alcançaram gente tão valorosa como são os portugueses, que são senhores de todas as coisas boas que trazem à terra, de que eles dantes careciam, e agora as têm em tanta abundância, como são machados, foices, anzóis, facas, tesouras, espelhos, pentes e roupas, porque antigamente roçavam os matos com cunhas de pedra, e gastavam muitos dias em cortar uma árvore, pescavam com uns espinhos, faziam o cabelo e as unhas com pedras agudas, e quando se queriam enfeitar faziam um alguidar de água espelho, e que desta maneira viviam mui trabalhados, porém agora fazem suas lavouras e todas as mais coisas com muito descanso, pelo que os devem de ter em muita estima; e este recebimento é tão usado entre eles, que nunca ou de maravilha deixam de fazer, senão quando reinam alguma malícia ou traição contra aqueles que vão às suas aldeias visitá-los ou resgatar com eles." (²)
(2) SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. c. 1627.


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