"Esse Filho de Deus, dizia Aimbire,
Só ensinou aos homens que se amassem,
Que fossem todos como irmãos e amigos.
Eles confessam isso, eles o adoram;
Mas por tudo que eu vi, pelo que fazem,
Creio que de seu Deus as leis aprendem
Pra calcá-las melhor, e não cumpri-las."
Gonçalves de Magalhães, A Confederação dos Tamoios
Para que se veja a que ponto ia a capacidade de alguns comerciantes em suas tentativas de enganar os índios nas trocas que com eles entabulavam, consideraremos um relato feito por Frei Gaspar da Madre de Deus, em suas Memórias para a História da Capitania de São Vicente, Hoje Chamada de São Paulo, do Estado do Brasil. Inicialmente, explica como eram as relações comerciais entre portugueses e nativos:
"Aos índios pagavam com ferramentas, contas de vidro, búzios e outras bagatelas semelhantes, a que chamavam resgate; e o preço do que se havia de vender ao gentio taxava a Câmara de São Vicente nos anos mais próximos à fundação. Conforme a taxa custava um escravo quatro mil réis em resgates, vendidos àqueles miseráveis por preços exorbitantes." (¹)
A seguir, relata as maquinações dos vereadores contra os nativos:
"...ordenaram com penas graves, que nenhum cristão falasse mal de outro, ou de suas mercadorias diante de gentios, e declararam que, para ficar provada a transgressão desta lei, bastaria o juramento de qualquer cristão que ouvisse detrair. Por este modo dispensaram no Direito Divino e humano, que ao menos requerem duas testemunhas de maior exceção; e parecendo santíssimo o acórdão, ele se dirigia a conservar os bárbaros na ignorância de seu prejuízo, porque a postura trancava o único caminho por onde lhes podia chegar a notícia dos dolos com eles praticados, para que se não acautelassem." (²)
De saída, deve-se notar que Frei Gaspar da Madre de Deus não estava inventando ou exagerando: tudo foi lavrado em ata da vereação de 21 de julho de 1543. Aparentemente, era apenas uma lei contra a maledicência - que candura! Na prática, era inviabilizar qualquer denúncia das falcatruas que usavam cometer.
Ora, meus leitores, a coisa era tão séria, que El-Rei D. João III tratou de interferir na questão. Disso trataremos na próxima postagem.
(1) MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a História da Capitania de São Vicente, Hoje Chamada de São Paulo, do Estado do Brasil. Lisboa: Typografia da Academia, 1797, p. 66.
(2) Ibid., p. 67.
Veja também:
- O início do escambo entre europeus e indígenas no Brasil
- Os valores dos povos indígenas e as consequências do escambo
- Indígenas ou europeus: quem obtinha maior vantagem com o escambo?
- Problemas decorrentes do escambo entre europeus e indígenas
- Providências de El-Rei Dom João III contra fraudes no escambo
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