terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Como os vinhos eram pagos em São Paulo no Século XVII

Pela frequência com que a questão do preço do vinho era discutida pelos oficiais da Câmara de São Paulo nos Séculos XVI e XVII pode-se presumir que essa bebida tinha muita importância para os moradores da vila. Fazia parte de seus hábitos alimentares, é certo, mas também era usada no preparo de remédios e até para tratar ferimentos. Não se pode esquecer, ainda, seu uso nas celebrações religiosas. Havia quem cultivasse vinhas nos arredores de São Paulo, mas, a despeito dos exageros que aparecem na Nobiliarchia Paulistana (¹) de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, é provável que a produção que daí decorria fosse suficiente apenas para consumo próprio, não sendo, nem de leve, capaz de suprir a demanda por parte do restante da população. 
Em consequência, quase todo o vinho consumido em São Paulo vinha do Reino, chegava ao porto de Santos e, então, era levado pelo terrível Caminho do Mar até o planalto paulista, onde, vendido por mercadores santistas, encontrava ávidos compradores, que, não obstante, eram incapazes de achar graça nos preços praticados, daí as queixas tão frequentes feitas à administração paulistana. Para além dos preços elevados, havia outra dificuldade: a carência de dinheiro amoedado, não só em São Paulo, mas praticamente em todo o Brasil Colonial. Entrava em ação a Câmara, portanto, para dar cabo do problema, como se vê por essa ata de 4 de abril de 1620: 
"Acordaram mais os [...] oficiais que era necessário fazer-se postura sobre os vinhos que trazem a vender a esta vila e que, porquanto há falta de dinheiro, acordaram que quem o trouxesse o vendesse a troco da fazenda da terra, a saber, couros, carnes, cera, farinhas de trigo, pano de algodão, e quem o não quiser dar pelas coisas acima ditas o não venda, com pena de seis mil réis [..]." (²)
Daí, leitores, podem ser extraídas estas conclusões:
  • O dinheiro amoedado era mesmo muito escasso e quem tinha algum tratava de retê-lo tanto quanto possível, não se dispondo a cedê-lo nem mesmo a troco de vinho;
  • "Couros, carnes, cera, farinhas de trigo, pano de algodão" deviam ser os produtos da vila de São Paulo na época, dos quais havia quantidade suficiente não só para consumo local como, sendo necessário, para troca. Notem que já não são mencionadas as marmeladas, tão famosas no século precedente.
Longe dos grandes centros açucareiros, a vida colonial corria, pois, com muita simplicidade. Quer-se maior evidência que esta oferecida pela decisão da Câmara de São Paulo?

(1) De acordo com a Nobiliarchia Paulistana, "João de Godoy Moreira foi um cidadão que em São Paulo, sua pátria, teve sempre o primeiro voto no político e civil governo da república, como pessoa de grande autoridade, respeito e veneração. Viveu abundantíssimo em cabedais, e com uma fazenda de culturas, onde as vinhas lhe davam o vinho com muita fartura. Faleceu com testamento a 20 de março de 1665" (trecho transcrito na ortografia atual e com a adição da pontuação indispensável à compreensão).
(2) Também neste trecho de ata a transcrição foi feita na ortografia atual, com adição da pontuação necessária.


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