Mas, afinal, que tipo de moinho o pai poderia ter deixado ao primogênito? Se considerarmos que as raízes do conto estão na Idade Média, deveria ser um moinho de vento, porque foi nessa época que eles se popularizaram na Europa. Mas o fato de que o segundo filho tenha herdado um burrico levanta problemas. Talvez o animal servisse para transportar cereal moído ou ainda a ser triturado. No entanto, moinhos de proporções razoáveis eram, desde a Antiguidade, postos a girar com a força de jumentos (que, para essa tarefa, tinham os olhos vendados). O que me dizem? Quanto ao gato, vocês conhecem o resto da história.
Moleiro trabalhando, imagem do Século XVI (*) |
Levanto aqui uma possibilidade de interpretação, deixando aos leitores o direito de pensar dela o que quiserem. Cervantes viveu antes da era industrial, e é pouco provável que seu herói às avessas arremetesse contra os moinhos vendo neles algo além de inimigos, como nas lendas fantásticas medievais que admirava em delírio. Seria permitido, todavia, a quem vive em nosso século, ver nisso uma imagem da luta do homem contra a força das máquinas (por ele mesmo inventadas, mas escapando ao seu controle e personificadas nos moinhos) e contra a natureza (que, malgrado todos os esforços, se recusa a aceitar dominação), e que, neste caso, seria representada pelo vento? Quem ousaria negar que as grandes invenções fascinam mas, ao mesmo tempo, impõem temor?
(*) AMMAN, Jost. Aller Stande auf Erden. Frankfurt: Georg Raben, 1568. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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Curiosamente, na minha zona a preponderância era de moinhos de água. Compreende-se, é uma zona montanhosa e muito chuvosa, com abundância de água, pelo que seria má estratégia investir em subidas íngremes (coitado do burro!) quando havia energia mais que suficiente cá em baixo.
ResponderExcluirEm relação à interpretação da Marta acerca das investidas de D. Quixote contra as velas do moinho, muito haveria a dizer. Assunto para um serão despretensioso, com certeza. :)
Fique bem, Marta :)
Por aqui também a força da água teve a preferência, antes que as redes elétricas fossem implantadas. Não quer isso dizer que, em pequenas proporções, animais não fossem utilizados. Eram, nesse caso, literalmente, "burros de carga", como se dizia na expressão popular, compartilhando as fadigas dos burros e mulas dos tropeiros. Pobres animais!...
ExcluirQue delícia seu texto, Marta. Perrault e O Gato de Botas, Dom Quixote e os moinhos de vento. Posso republicar seu texto? Abraços
ResponderExcluirOlá, Anita, pode republicar o texto, sim.
ExcluirUm abraço, tenha um ótimo final de semana!