quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A participação dos deuses na escolha do segundo rei de Roma

Numa Pompílio é considerado o segundo rei de Roma. É um dos "reis lendários", assim chamados porque, sobre eles, não se tem muita documentação. É provável que esses reis tenham existido, mas os autores que escreveram sobre eles fizeram uso de fontes que nem de leve chegavam perto, em suas origens, ao tempo em que se supõe que tenham vivido.
Após esse preâmbulo, falemos de Numa e de como chegou a ser rei em Roma, apesar de ser sabino, e não romano. De acordo com Plutarco (¹), Rômulo morrera em condições suspeitas (²), e a desordem reinava naquela que seria, dentro de alguns séculos, a cidade mais importante do mundo mediterrânico. Naquele tempo, porém, não passava de uma aldeia à beira do caos. Tendo discutido quem deveria ser o novo mandatário, os cidadãos mais influentes teriam chegado a um acordo quanto a chamar Numa Pompílio para o cargo, por ser considerado pessoa religiosa, de boa índole e com muita afeição à filosofia, a cujo estudo se dedicava desde que enviuvara.
Lá se foram os representantes de Roma a chamá-lo. Viria? Como mandavam os bons modos, recusou, a princípio, mas acabou sendo convencido pelo pai idoso a aceitar o cargo. Sua chegada a Roma foi acompanhada de grandes festejos, mas, reunida toda a população em praça pública, Numa Pompílio recusou as insígnias reais, alegando que os deuses ainda não haviam manifestado aprovação para sua escolha como monarca.
Pode-se imaginar que tudo não passava de encenação para convencer os belicosos romanos. Porém, segundo Plutarco, os sacerdotes e adivinhos, gente que se supunha ter boa relação com os deuses, foram chamados para mostrar o que devia ser feito. Levaram Numa até o Capitólio e lá, com o cerimonial apropriado (Numa foi coberto com um véu, enquanto um dos sacerdotes conservava a mão sobre sua cabeça), pediram que, mediante o voo ou canto das aves, os deuses mostrassem se lhes agradava a escolha daquele rei. Lembrem-se leitores: havia, para os romanos, aves favoráveis e desfavoráveis, e o comparecimento de umas ou outras era visto como sinal enviado pelas divindades. Vamos ao que disse Plutarco:
"Fez-se grande silêncio [...], esperando que os deuses manifestassem um sinal favorável [...]. Estando todos com os olhos no céu, viram voar aves que indicavam aprovação à direita de Numa, ao que se declarou ser [sua escolha como rei] a vontade dos deuses, e com essa aprovação do céu a alegria foi ainda maior. Após essa manifestação [dos deuses], Numa aceitou as insígnias reais [...]." (³)
Desde então, Numa Pompílio passou a exercer o governo da cidade. Nas palavras de Tito Lívio (⁴), "tão logo começou a reinar, dedicou-se a edificar novamente, desde os alicerces, o direito, as leis e costumes daquela cidade que com força e armas se fundara" (⁵).
Não se pode afirmar, meus leitores, que tudo se passou exatamente assim. Talvez Plutarco, Tito Lívio e outros autores tenham romanceado um pouco a vida de Numa, incidindo em uma tentação que não é incomum, quando se trata de assuntos remotos. Um fato, todavia, salta aos olhos: era desse modo que os antigos romanos davam fim às suas dúvidas. Pediam um palpite aos deuses, a quem, afinal, podiam culpar, se os acontecimentos subsequentes não fossem tão bons quanto esperavam. 

(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) Cf. PLUTARCO. Vitae parallelae.
(3) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(4) 59 a.C. - 17 d.C.
(5) LÍVIO, Tito. Ab urbe condita libri. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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