Como encontrar virtudes em quem não parece ostentar nenhuma delas? Pois foi exatamente isso que fez Aneu Floro, historiador contemporâneo do imperador Adriano (¹).
Todo mundo sabe que os primeiros romanos estavam longe de ser gente muito recomendável; eram desordeiros que contribuíam para transtornar a vida de seus vizinhos na Península Itálica. Pouco se conhece quanto ao seu modo de vida, e, como afirma um antigo provérbio, "quando a História guarda silêncio, as fábulas começam a falar". Neste caso, as fábulas não só falam, mas tagarelam com notável loquacidade.
Existe certo consenso de que a povoação que deu origem a Roma deve ter começado como uma humilde aldeia de pastores, às margens do Tibre, em algum momento entre o ano 1000 e o ano 800 a.C.; a fundação "oficial" da cidade, porém, reconhecida pelos antigos romanos, teria acontecido em 753 a.C., por obra dos gêmeos Rômulo e Remo, aqueles que, jogados no rio quando bebês, não afundaram e foram alimentados por uma loba... Aí está, portanto, uma fábula falante. Rômulo teria sido o primeiro rei e, depois dele, vieram outros seis. Alguns fatos associados aos reis de tempos remotos são bastante duvidosos, mais parecendo lendas (²), já que quase nada existe sobre eles que mereça o nome de sólida documentação (todos os autores que fazem referência a seus respectivos governos viveram muito tempo depois).
De qualquer maneira, os sete reis foram Rômulo (³), Numa Pompílio, Túlio Hostílio, Anco Márcio, Tarquínio Prisco, Sérvio Túlio e, finalmente, Tarquínio, o Soberbo. E é aí que entra Aneu Floro (⁴), autor de Epitome rerum Romanarum, atribuindo uma grande virtude a cada um dos monarcas que teriam ajudado a lançar os fundamentos do que viria a ser o Império Romano:
- Rômulo - Tinha espírito empreendedor, fundou a cidade;
- Numa Pompílio - Muito religioso, conseguiu "domar" os ferozes romanos, ao instituir entre eles o respeito aos deuses;
- Túlio Hostílio - Era um mestre na arte da guerra, disciplinou os romanos para o combate, estabelecendo as bases do exército;
- Anco Márcio - Dedicou-se às construções necessárias à cidade;
- Tarquínio Prisco - Criou símbolos, divisas e outros adereços (anéis, togas, etc.) para estabelecer a dignidade dos cargos públicos e do povo romano;
- Sérvio Túlio - Fez realizar o primeiro censo e organizou estritamente a administração da cidade;
- Tarquínio o Soberbo - Se devemos crer em autores como Tito Lívio e Floro, este rei foi um imprestável, que distribuiu ofensas abomináveis entre ricos e pobres, famosos e desconhecidos. Onde estaria a virtude? Floro saiu-se com essa: "[...] O povo, ofendido por suas injúrias, moveu-se pelo desejo de liberdade." Ou seja: a opressão foi útil porque fez brotar um sentimento contrário ao governo exercido por um rei.
Tarquínio foi deposto e exilado, Roma tornou-se uma República.
(1) Adriano governou entre 117 e 138; portanto, no Século II.
(2) Entende-se que os reis existiram, mas os atos de governo atribuídos a eles carecem ainda de certezas, embora pesquisas históricas e arqueológicas nesse sentido continuem a acontecer.
(3) Há quem afirme que, durante algum tempo, Rômulo teve um companheiro no comando de Roma (não era seu irmão Remo, que foi assassinado). Neste caso, seriam oito e não sete os reis de Roma.
(4) Nessas questões relativas aos tempos remotos de Roma, Floro se reporta aos escritos de Tito Lívio.
Veja também:
Hahaha, não era poderoso o suficiente para os historiadores lhe forjarem virtudes. Fiquei aqui a pensar, porque foi Rómulo escolhido para rei e não o seu irmão gémeo? Há alguma teoria ou fábula loquaz?
ResponderExcluirBeijinho
Ruthia d'O Berço do Mundo
Remo não foi rei porque foi assassinado. A maioria dos autores da Antiguidade afirma que o assassinato foi obra de seu próprio irmão, Rômulo, a quem se atribui a fundação da cidade.
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