quinta-feira, 23 de março de 2017

As virtudes dos sete reis de Roma

Como encontrar virtudes em quem não parece ostentar nenhuma delas? Pois foi exatamente isso que fez Aneu Floro, historiador contemporâneo do imperador Adriano (¹). 
Todo mundo sabe que os primeiros romanos estavam longe de ser gente muito recomendável; eram desordeiros que contribuíam para transtornar a vida de seus vizinhos na Península Itálica. Pouco se conhece quanto ao seu modo de vida, e, como afirma um antigo provérbio, "quando a História guarda silêncio, as fábulas começam a falar". Neste caso, as fábulas não só falam, mas tagarelam com notável loquacidade.
Existe certo consenso de que a povoação que deu origem a Roma deve ter começado como uma humilde aldeia de pastores, às margens do Tibre, em algum momento entre o ano 1000 e o ano 800 a.C.; a fundação "oficial" da cidade, porém, reconhecida pelos antigos romanos, teria acontecido em 753 a.C., por obra dos gêmeos Rômulo e Remo, aqueles que, jogados no rio quando bebês, não afundaram e foram alimentados por uma loba... Aí está, portanto, uma fábula falante. Rômulo teria sido o primeiro rei e, depois dele, vieram outros seis. Alguns fatos associados aos reis de tempos remotos são bastante duvidosos, mais parecendo lendas (²), já que quase nada existe sobre eles que mereça o nome de sólida documentação (todos os autores que fazem referência a seus respectivos governos viveram muito tempo depois). 
De qualquer maneira, os sete reis foram Rômulo (³), Numa Pompílio, Túlio Hostílio, Anco Márcio, Tarquínio Prisco, Sérvio Túlio e, finalmente, Tarquínio, o Soberbo. E é aí que entra Aneu Floro (⁴), autor de Epitome rerum Romanarum, atribuindo uma grande virtude a cada um dos monarcas que teriam ajudado a lançar os fundamentos do que viria a ser o Império Romano:
  • Rômulo - Tinha espírito empreendedor, fundou a cidade;
  • Numa Pompílio - Muito religioso, conseguiu "domar" os ferozes romanos, ao instituir entre eles o respeito aos deuses;
  • Túlio Hostílio - Era um mestre na arte da guerra, disciplinou os romanos para o combate, estabelecendo as bases do exército;
  • Anco Márcio - Dedicou-se às construções necessárias à cidade;
  • Tarquínio Prisco - Criou símbolos, divisas e outros adereços (anéis, togas, etc.) para estabelecer a dignidade dos cargos públicos e do povo romano;
  • Sérvio Túlio - Fez realizar o primeiro censo e organizou estritamente a administração da cidade;
  • Tarquínio o Soberbo - Se devemos crer em autores como Tito Lívio e Floro, este rei foi um imprestável, que distribuiu ofensas abomináveis entre ricos e pobres, famosos e desconhecidos. Onde estaria a virtude? Floro saiu-se com essa: "[...] O povo, ofendido por suas injúrias, moveu-se pelo desejo de liberdade." Ou seja: a opressão foi útil porque fez brotar um sentimento contrário ao governo exercido por um rei. 
Tarquínio foi deposto e exilado, Roma tornou-se uma República.

(1) Adriano governou entre 117 e 138; portanto, no Século II.
(2) Entende-se que os reis existiram, mas os atos de governo atribuídos a eles carecem ainda de certezas, embora pesquisas históricas e arqueológicas nesse sentido continuem a acontecer.
(3) Há quem afirme que, durante algum tempo, Rômulo teve um companheiro no comando de Roma (não era seu irmão Remo, que foi assassinado). Neste caso, seriam oito e não sete os reis de Roma.
(4) Nessas questões relativas aos tempos remotos de Roma, Floro se reporta aos escritos de Tito Lívio.


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2 comentários:

  1. Hahaha, não era poderoso o suficiente para os historiadores lhe forjarem virtudes. Fiquei aqui a pensar, porque foi Rómulo escolhido para rei e não o seu irmão gémeo? Há alguma teoria ou fábula loquaz?
    Beijinho
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Remo não foi rei porque foi assassinado. A maioria dos autores da Antiguidade afirma que o assassinato foi obra de seu próprio irmão, Rômulo, a quem se atribui a fundação da cidade.

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