quinta-feira, 30 de março de 2017

Espécimes animais que você nunca encontrará em um zoológico

Seria difícil exagerar o progresso na impressão de livros ao longo do Século XVI, tanto em quantidade como em qualidade. Embora ainda não fossem baratos, os livros impressos eram muito mais acessíveis que os belos exemplares medievais copiados à mão e repletos de iluminuras. Mais gente lia, mais autores escreviam e publicavam. O desenvolvimento da qualidade gráfica possibilitou o aparecimento de livros como ICONES ANIMALIVM QVADRVPEDVM VIVIPARORVM ET OVIPARORVM e ICONES ANIMALIVM AQVATILIUM IN MARI & DVLCIBVS AQVIS de Conrad Gesner, publicados em Zürich em meados do Século XVI, com centenas de ilustrações: nesse tempo, cada uma delas precisava ser preparada manualmente por um artista, para, depois, ser inserida na composição da respectiva página. 
Os livros em questão mostravam animais chamados "domésticos", que todo mundo conhecia, tais como bois, vacas, patos, galinhas, cabras, etc., e também centenas de peixes, além de animais considerados selvagens, como rinocerontes, elefantes e girafas, sobre os quais reinava grande curiosidade, já que pouca gente na Europa tivera ocasião de vê-los, durante alguma viagem. 
Além de toda essa bicharada, as obras incluíam, aqui e ali, alguns seres realmente exóticos (se é que podemos falar assim), cujas aparições havia quem relatasse como autênticas. Leitores, é até difícil explicar! Será melhor se passarmos imediatamente às imagens (¹), que falarão por si mesmas.

1. Nem mesmo o autor se atreveu a dar nome; o monstro teria sido capturado em Salzburg no ano de 1531.


2. Alguém sabe o que é isso? A cauda lembra o cangambá ou a jaratataca, mas leva os filhotes consigo, como os gambás. As semelhanças param aí. Gesner dizia que era um animal do Continente Americano. Leitores, se algum dia virem um desses, venham contar aqui no blog, sim?


3. A aparição deste animal teria sido registrada na Itália. Como está incluído no livro dos animais aquáticos, supõe-se que fosse um deles. Seria isso a representação infeliz de um otarídeo - leão-marinho ou lobo-marinho, talvez?


4. Dois semelhantes: o primeiro teria sido avistado em Roma em novembro de 1523; já o segundo ("demônio-marinho"), com direito a aparições na Bélgica (Antuérpia), Noruega e Alemanha, vinha acompanhado de referências a autores da Antiguidade que atestavam sua existência.



5. Hidras são cnidários de água doce, e não há nada de monstruoso nisso. Mas a hidra de Conrad Gesner era muito parecida com o venenosíssimo animal da mitologia grega - o texto alemão falava em "serpente aquática com sete cabeças" - e são sete mesmo, todas bastante humanoides...


Quem de vocês terá visto estes bichos em algum zoológico ou aquário? Será que alguém teve a ideia de capturar e dissecar qualquer deles? Os livros de Gesner traziam também o unicórnio, o peixe-monge e o peixe-bispo, personagens que já andaram frequentando este blog.
Hora de falar sério, leitores. O que estas criaturas estranhas nos mostram é que:
  • Havia, no Século XVI, muita curiosidade por saber o que existia em outras terras (lembrem-se de que os livros de Conrad Gesner foram publicados algum tempo depois do apogeu do Renascimento e das Grandes Navegações, e logo contavam com várias edições);
  • Não podemos descartar o fato de que autores e editores incluíssem coisas absurdas intencionalmente em suas obras, como uma espécie de isca para fisgar leitores crédulos e/ou curiosos;
  • A sede de conhecimento vinha, muitas vezes, acompanhada da falta de informações confiáveis, e até especialistas geniais, como era o caso de Gesner, ainda eram crédulos para supor a existência real dessas simpáticas criaturas - criadas pela imaginação, naturalmente.

No Brasil, um pouco mais tarde...

O jesuíta Simão de Vasconcelos escreveu, no Século XVII, em suas Notícias Curiosas e Necessárias das Cousas do Brasil:
"Monstros marinhos têm saído à costa, de cuja espécie, nem antes, nem depois sabemos que houvesse notícia em outra alguma parte do mundo. [...] Dos peixes-homens e peixes-mulheres vi grandes lapas junto ao mar, cheias de ossadas dos mortos; e vi suas caveiras, que não tinham mais diferença de homem ou mulher, que um buraco no toutiço, por onde dizem que respiram." (²)
Vejam só, leitores: não é que, afinal, apareceu uma testemunha ocular?!!!

(1) Para esta postagem seguiu-se a segunda edição das obras citadas, publicadas em Zürich por Christof Froshover em 1560; as imagens foram editadas digitalmente para facilitar a visualização neste blog.
(2) VASCONCELOS, Pe. Simão de S. J. Notícias Curiosas e Necessárias das Cousas do Brasil. Lisboa: Oficina de Ioam da Costa, 1668, pp. 279 e 280.


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2 comentários:

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