terça-feira, 19 de março de 2019

De que os camaleões se alimentam

Como regra geral, a ciência da Antiguidade não era baseada em padrões de experimentação e de verificação de observações. Alguém viajava, voltava contando coisas que teria visto e ouvido em terras distantes e, como era difícil averiguar se o que dizia era verdade, mesmo autores sérios seguiam repetindo tolices cabeludas - seria trabalho demais empreender longas jornadas, com riscos evidentes nas condições em que se viajava nesses tempos, apenas para saber a verdade sobre seres vivos que poucos teriam oportunidade de ver. 
Deve ter sido assim com a descrição do camaleão feita por Plínio, o Velho (¹), no Livro VIII de Naturalis historia. Sim, ele mencionou a mudança de cores dos camaleões de acordo com o lugar em que podiam ser vistos, falou de seus olhinhos arregalados, de sua boca sempre aberta, mas foi aí que veio a lorota: "[...] é o único animal que não come e não bebe, mas faz do ar seu alimento [...]." (²)
Os leitores que já viram um camaleão devem estar rindo: as várias espécies são predominantemente insetívoras, servindo-se da velocidade espantosa de sua língua para capturar seres incautos que estejam ao redor. Talvez seja o caso de questionar a capacidade visual de Plínio e/ou de seus informantes, que nada sabiam sobre a língua longa e pegajosa que permite a esses animaizinhos a obtenção de alimento. Se não podiam vê-los comendo, concluiu-se que viviam de ar. Não se registrou qualquer dissecção para saber o que é que teriam no estômago.

Imagem de camaleão em uma obra (³) do Século XVI (⁴), na qual - acreditem - ainda se repete
a ideia  de que esses animais tinham o ar como alimento, acrescentando-se: "e da luz solar".

(1) Reputado um dos maiores gênios da Antiguidade. Se é verdade que em seus escritos há muitos erros, também é fato que contêm muitos acertos
(2) O trecho citado de Naturalis historia foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) GESNER, Conrad. Icones Animalium Quadrupedum Viviparorum et Oviparorum. Zürich: Christof Froshover, 1560, p. 117.
(4) Bem longe da Antiguidade, portanto.


2 comentários:

  1. Eram amigos dos animais, não viviam a fazer experiências nos bichinhos para corroborar as suas histórias :)
    Os camaleões são, de facto, animais extraordinários e dignos de algum exagero!
    Sempre uma delícia te ler.
    Abraço, uma linda semana
    Ruthia

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