terça-feira, 12 de março de 2019

O Calendário Gregoriano

O papa Gregório XIII é famoso, entre outras razões, pela reforma do calendário ocorrida em seu pontificado. Por essa razão, o calendário adotado para o ano civil em quase todos os países do mundo recebe o nome de Calendário Gregoriano.
Uma comissão foi nomeada para corrigir os problemas decorrentes do Calendário Juliano, que vinham se acumulando ao longo dos séculos e fazendo com que os eventos astronômicos já não coincidissem com as datas esperadas no calendário civil. Portanto, uma premissa do novo calendário foi a de que o equinócio de primavera (¹) no Hemisfério Norte deveria ocorrer em 21 de março. Após a conclusão dos estudos, seguida de análise e aprovação daquilo que se havia proposto, uma bula papal, conhecida por suas primeiras palavras Inter gravissimas, foi publicada no dia 24 de fevereiro de 1582, definindo a data de 15 de outubro do mesmo ano para que o novo calendário entrasse em vigor. Desse modo, o dia 4 de outubro de 1582, quinta-feira, foi seguido pelo dia 15 de outubro de 1582, sexta-feira. O que aconteceu aos dez dias entre uma e outra data? Simplesmente desapareceram, ou, se os leitores preferirem, foram engolidos pelo novo calendário.

A adoção do Calendário Gregoriano em São Paulo


Espanha e Portugal - eram tempos da União Ibérica - estiveram entre os países que, de imediato, adotaram o Calendário Gregoriano. O Brasil, ao menos formalmente, deveria fazer o mesmo. Mas, como se sabe, nesse tempo as notícias precisavam fazer uma longa viagem de travessia do Atlântico e, sobrevivendo, iriam alcançar os distantes colonizadores que viviam na América do Sul. Por isso, foi somente dois anos depois da ocasião estipulada pelo papa que o novo calendário veio a ser usado em São Paulo, conforme se pode verificar pelas atas da Câmara, nas quais o escrivão, em três diferentes passagens, explicava as datas que, a partir de então, usava, citando tanto a bula pontifícia como uma ordem real para adoção do Calendário Gregoriano:

"Aos quinze dias do mês de outubro (²), era de mil e quinhentos e oitenta e quatro anos, por virtude de um calendário do papa [...] Gregório, nesta vila de São Paulo do Campo [...]."
"Foram apregoadas as posturas [...] dos senhores oficiais [da Câmara], das tecedeiras e tecelões e do pano de algodão, aos vinte e um dias do mês de outubro, era de mil e quinhentos e oitenta e quatro anos, por virtude de uma provisão de el-rei nosso senhor, que manda e declara que deste mês e ano se tirem dez dias [...] por virtude do santo papa, de um calendário que disso fez [...]."
"Aos vinte e sete dias do mês de outubro, era de mil e quinhentos e oitenta e quatro anos, por virtude de uma provisão de el-rei nosso senhor, em que manda que se tirem dez dias do dito mês e ano, nesta vila de São Paulo do Campo [...]."

Observem, meus leitores, que a defasagem foi exatamente de dois anos: o Calendário Gregoriano entrou em vigor em 15 de outubro de 1582, isso em Portugal e em alguns outros países da Europa, enquanto que a primeira menção que dele se faz nas Atas da Câmara de São Paulo vem de 15 de outubro de 1584. Expandindo a lógica, daí se infere por que motivo tantas ordens em relação ao Brasil Colonial tardavam a ser cumpridas. Algumas delas, vocês sabem, gostavam tanto do papel que jamais saíam dele.

(1) Portanto, equinócio de outono no Hemisfério Sul.
(2) As vírgulas foram acrescentadas e as citações transcritas na ortografia atual, para tornar a leitura dessas atas possível aos leitores não habituados a documentos antigos. 


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