terça-feira, 4 de abril de 2017

O cuidado dos indígenas com as espadas que recebiam dos franceses

Espadas não se encontravam entre as armas típicas dos povos indígenas do Brasil, visto que, desconhecendo a forja de metais, simplesmente não podiam fabricá-las. Além disso, desde que puseram os pés em terras da América, proibiu-se aos portugueses que trouxessem armas para os indígenas, conforme podemos ver por esta ordem existente no Livro da Viagem da Nau Bretoa, que veio ao Brasil em 1511:
"Notificareis isso mesmo a toda a dita companhia que não resgate, nem venda e nem troque com a gente da dita terra nenhumas armas de nenhuma sorte que seja, punhais, nem outras nenhumas coisas que são defesas (¹) pelo santo padre e por el-rei nosso senhor, e poderão levar facas e tesouras como sempre levaram."
O escambo por meio de ferramentas era permitido, ao contrário do que ocorria com armas, e isso por uma razão bastante simples: evitar que indígenas tivessem meios de enfrentar, com igualdade, os colonizadores, na hipótese de ocorrer algum confronto (²).
Entretanto, franceses que alcançaram o Brasil em tentativas de estabelecer uma colônia no Hemisfério Sul não tinham o mesmo receio. Sabemos, por relato de Jean de Léry, que os que vieram para a França Antártica (³) traziam até mesmo armas de fogo baratas para trocar por artigos indígenas (alimentos, principalmente). Tiveram, assim, a oportunidade de observar, não sem alguma surpresa, que os tupinambás eram hábeis em aprender o uso dessas armas, ainda que, vez ou outra, algum acidente acabasse por acontecer.
A França Antártica teve vida curta. Já no Século XVII, franceses fizeram nova tentativa, buscando estabelecer uma fortaleza no Maranhão, à qual deram o nome de forte de São Luís. Para doutrinar indígenas, vieram alguns capuchinhos, cujo líder, padre Yves d'Évreux, escreveu um livro no qual tratou de relatar suas aventuras nos dois anos que permaneceu no Brasil (1613 - 1614). 
Julgando, ao que parece, que os indígenas podiam ser úteis em reforçar a defesa do forte contra um ataque de portugueses que, cedo ou tarde, acabaria por acontecer, franceses forneciam espadas, principalmente aos chefes, e tratavam de ensinar como deviam ser usadas. Observou o padre d'Évreux:
"Causa gosto ver o zelo e o cuidado com que trazem as espadas que lhes dão os franceses, sempre a seu lado, sem nunca tirá-las senão quando se deitam, e quando trabalham em suas roças, penduram-nas junto a si em algum ramo de árvore, fazendo-me lembrar da história de Neemias (⁴), na reparação dos muros de Jerusalém, quando os seus habitantes traziam numa das mãos as armas e na outra os instrumentos de trabalho." (⁵)
O desvelo dos indígenas ia além, no modo como as armas eram mantidas em perfeitas condições de uso:
"Gostam muito de trazer as espadas tão limpas como cristal, e para isso as esfregam com areia fina e azeite de mamona, amolam-nas repetidas vezes para estarem sempre cortantes, aguçam as pontas, quando estão gastas pela ferrugem muito comum na zona tórrida." (⁶)
À semelhança do que ocorreu com a França Antártica, a colônia francesa no Maranhão redundou em fracasso, e, portanto, os portugueses retomaram o controle da área. Não fora pelos escritos do padre Ives d'Évreux, talvez nunca viéssemos a saber do amor que os indígenas do norte do Brasil manifestavam por suas espadas.

(1) Isto é, proibidas.
(2) Como se sabe, combates entre indígenas e colonizadores não demoraram a ocorrer.
(3) Em terras do atual Estado do Rio de Janeiro.
(4) O texto a que Yves d'Évreux faz referência é este:
"aedificantium in muro et portantium onera et inponentium 
uma manu sua faciebat opus 
et altera tenebat gladium / 
aedificantium enim unusquisque gladio erat accinctus renes 
et aedificabant et clangebant bucina iuxta me" (II Esdrae 4, 17 - 18)
(5) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, pp. 37 e 38.
(6) Ibid., p. 38.


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