terça-feira, 25 de abril de 2017

O interesse pelo piano e por outros instrumentos musicais no Brasil do Século XIX e início do Século XX

Venda de instrumentos musicais em
São Paulo, 1867 (⁶)
Ter um piano, no Século XIX, era, para famílias que se prezavam, um sinal de distinção social, ao menos na capital do Império. Não é por acaso, leitores, que muitas cenas de romances escritos nessa época ocorrem junto a um piano. Querem ver?

"Guida sentou-se ao piano e começou a preludiar. Não tardou que o Guimarães se aproximasse, atraído pelo imã, e bordasse sobre o tema da música uma dessas falas que parecem um crochê de palavras de diversas cores." (José de Alencar, Sonhos d'Ouro)

"A única consolação que tive foi vê-la correr para o piano, e ouvi-la cantar as seguintes e outras quadrinhas musicadas no gosto nacional:
Menina solteira 
Que almeja casar,
Não caia em amar
A homem algum;
Nem seja notável
Por sua esquivança,
Não tire a esperança
De amante nenhum.  (Joaquim Manuel de Macedo, A Moreninha)

"Eugênia não compreendeu o que os dois haviam dito. Voltou os olhos para o piano, com uma expressão de saudade. Com a mão esquerda, assim mesmo de pé, extraiu vagamente três ou quatro notas das teclas suas amigas." (Machado de Assis, Helena)

Anúncio de loja de pianos
em São Paulo, 1903 (⁷)
Creio que já temos citações suficientes para demonstrar a relação entre literatura e pianos nos tempos do Império. Porém, antes da implantação dos "caminhos de ferro" (¹), episódios românticos junto a um teclado eram facilmente imagináveis apenas no Rio de Janeiro e adjacências, ou em alguma cidade nos arredores dos portos. As ferrovias foram responsáveis pela interiorização do piano - gliss. (²), gostei da expressão. Não quero dizer que fosse impossível o transporte de um piano em carro de bois até uma povoação interiorana. Impossível, não. Mas que era incômodo, lá isso era.
Harmônicas, 1916
(⁸)
A marcha do café rumo ao chamado Oeste Paulista (³) foi também a marcha da expansão dos trilhos ferroviários e, por que não? Também a marcha do piano (⁴) rumo aos núcleos urbanos que prosperavam, graças à riqueza gerada pela cafeicultura. Logo o comércio de pianos seria um importante negócio, afinadores teriam trabalho garantido, assim como professores, cujos alunos (e, em especial, alunas), queriam brilhar em exibições nos saraus e outros encontros da elite cafeeira. Ninguém tocava outros instrumentos? Claro que sim. Pois se havia até bandas e orquestras compostas por escravos!
A ampliação da cafeicultura, com sua inevitável demanda por mão de obra, favoreceu a ocorrência de outro fenômeno, o da imigração europeia. Muita gente vinha para trabalhar, trazendo na bagagem uma rica tradição musical. Em momentos de lazer, de festas cívicas ou de devoção, as habilidades no canto ou na execução de algum instrumento eram postas em uso. Vejam, portanto, que notável amálgama estava em processo na música brasileira.
Outro anúncio de loja de pianos
em São Paulo, 1907 (⁹)
É verdade que a popularização de fonógrafos e gramofones nas primeiras décadas do Século XX representou algum perigo para as apresentações musicais ao vivo, fossem elas públicas ou domésticas. Houve quem julgasse preferível ouvir, vezes seguidas, alguma gravação feita por profissionais, tanto da música erudita como da popular, ao invés de tolerar as execuções nem sempre brilhantes dos músicos amadores das redondezas. A mania, porém, foi passageira. Cantar e tocar, afinal, pode ser experiência muito mais prazerosa que simplesmente ouvir gravações (⁵). Pergunto apenas se nós que estamos no Século XXI, presenciando um declínio espantoso no número de aprendizes de piano no Brasil, ainda veremos renascer o amor por esse instrumento. Seria pedir demais?

(1) As primeiras ferrovias implantadas no Século XIX eram chamadas "caminhos de ferro".
(2) Para quem toca piano, não preciso explicar o que isso significa. Para os demais, recomendo encontrar um professor e começar as aulas agora mesmo.
(3) O "Oeste paulista" da cafeicultura não corresponde ao Oeste geográfico da Província e, depois, Estado de São Paulo.
(4) Uma tabela de 1866, estabelecida pelo Governo Provincial, determinava a cobrança de 112 mil réis "por tonelada métrica" para o transporte de pianos nas ferrovias paulistas.  
(5) Em minha opinião, há lugar e hora para tocar e cantar, assim como para ouvir. Não há necessidade de eliminar alguma dessas coisas.
(6) CORREIO PAULISTANO, 5 de fevereiro de 1867.
(7) VIDA PAULISTA, Ano I, nº 4, 3 – 4 de outubro de 1903.
(8) O ECHO, Ano XV, nº 4, outubro de 1916.
(9) A VIDA MODERNA, Ano II, nº 29 – 30, 25 de dezembro de 1907.


Veja também:

2 comentários:

  1. Aqui em casa não está em declínio, porque o Pedrinho está a aprender piano. Sempre que é dia de praticar, é dia de terapia para mim. Não diria que é romântico, mas um bálsamo para a alma...
    Beijinho Marta.
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Hmmm, toco um pouco de piano desde criança, embora meu instrumento seja o violino. Por aqui também tem gente pequena aprendendo piano (minha sobrinha, que é muito talentosa), mas estou longe de achar que suas lições sejam um bálsamo - nem para a alma e nem para os ouvidos (muito menos). Portanto, ou o Pequeno Explorador é um novo Mozart, ou essa ideia é conversa de mãe rsrsrssss...

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