quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Prejuízos possíveis em um engenho colonial de cana-de-açúcar

Pelo muito que se valorizava social, política e economicamente a figura de um senhor de engenho no Brasil Colonial, poderá alguém ter uma ideia equivocada do que realmente significava ser proprietário de um engenho de açúcar, como se tal condição colocasse um homem e sua família ao abrigo de quaisquer dificuldades. Mas não era assim, e não era porque, conforme aprendemos com o jesuíta Antonil (*), que vivenciou de perto a realidade do Brasil açucareiro, um senhor de engenho podia ter, em sua propriedade, um número considerável de razões para prejuízo, que o conduziriam, em última análise, à bancarrota, se não devidamente administradas.
A primeira dessas razões (e é significativo que nosso famoso informante a tenha listado em primeiro lugar) era a fuga ou a morte de escravos. Sabe-se hoje que um africano, arrancado de seu Continente de origem e obrigado a trabalhar no Brasil, não tinha, em um engenho, uma expectativa de vida das mais favoráveis, tal a dureza do trabalho e das condições de vida que se lhe impunham, o que, segundo o próprio Antonil, obrigava cada senhor a, anualmente, adquirir novas "peças". Diante da vastidão despovoada do Brasil, muitos escravos reuniam toda a coragem que podiam e empreendiam fuga, indo reunir-se a outros, sob igual sorte, em povoações a que se deu o nome de quilombos. Sabe-se também que, longe de serem ocorrências excepcionais, os quilombos eram, sim, até comuns, fornecendo, para os escravos fugitivos, um abrigo, ainda que temporário.
Na lista de Antonil, a perda de cavalos e bois aparece em segundo lugar (outro fato curioso). Esses animais realizavam uma parte considerável do trabalho do engenho e, no caso dos bois, eram geralmente empregados para puxar os carros que transportavam a cana até a moenda e o açúcar até o porto de embarque, sucedendo por vezes que, devido às péssimas condições das estradas, em especial durante as temporadas de chuva, os bois chegavam a morrer de exaustão pelo trabalho que lhes era imposto.
Vem em seguida a menção às secas, fenômeno que, no Nordeste brasileiro, revestia-se de particular importância, uma vez que podia pôr a perder toda uma safra, embora os senhores apreciassem alguma estiagem, já que proporcionava à cana um maior potencial açucareiro.
Finalmente, lista Antonil os desastres ou imprevistos que anualmente podiam acometer um engenho e, embora não haja menção específica do que deviam ser eles, pode-se imaginar, por exemplo, eventuais incêndios, pragas na lavoura, excesso de chuva, e assim por diante.
Diante disso, leitor, fica evidente que, se a posição dos senhores era realmente elevada, os riscos que corriam também eram grandes, em um cenário no qual, apesar dos altos rendimentos que podiam vir a obter, não eram também, na cadeia que envolvia a produção, refino, exportação e comercialização do açúcar, com toda certeza, dos que mais lucravam.


(*) ANTONIL, André João (Giovanni Antonio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: 1711, p. 4.


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