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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Até a enxada era ruim

A deficiência das ferramentas usadas na lavoura durante o Período Colonial


Sabe o que é uma enxada? Sim, aquela ferramenta agrícola bem simples, usada para remover o mato e para cavar a terra.
Pois é, até ela, no Período Colonial, tinha deficiências que atrapalhavam o rendimento do trabalho, de acordo com José Caetano Gomes, um autor que pretendia introduzir melhorias no processo de produção açucareira, e que afirmava que, com as enxadas usadas correntemente no Brasil, era difícil fazer covas apropriadas ao plantio da cana-de-açúcar:
"É certo que com a enxada que se usa no Brasil, que é talvez a primeira que se inventou, e onde não chegou ainda a enxada de Luca, francesa ou inglesa, é um pouco difícil fazer esta espécie de covas; são precisos de vinte a trinta golpes, quando com qualquer das mencionadas, bastam três ou quatro. A nossa enxada é fatigante, o trabalhador anda curvado, e tendo o ferro de cinco a seis libras, ele carrega com vinte ou mais nas cadeiras; nesta espécie de serviço o homem baixo tem vantagem ao homem alto, a quem é preciso maior curvatura e, por consequência, dobrado esforço." (¹)
A ideia do autor é que um modelo diferente fosse adotado. Devia ser semelhante a uma pá que, no seu entender, daria maior eficácia ao trabalho. Uma ilustração que aparecia na sua Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar demonstra o tipo de enxada proposto:

Modelo de enxada proposto por José Caetano Gomes para a agricultura canavieira (²)

O detalhe curioso, aqui, é o trabalhador que é retratado usando a enxada. É branco e com trajes antes compatíveis com os usos dos senhores que dos cativos. Na prática, todo o trabalho pesado na lavoura canavieira era feito por escravos, predominantemente de origem africana, embora indígenas do Brasil também fossem vistos entre os cativos. Aliás, estes foram mais comuns nas regiões meridionais da Colônia e em tempos nos quais o tráfico de africanos era muito difícil, como ocorreu durante o confronto com holandeses no Nordeste.

(1) GOMES, José Caetano. Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar. Lisboa: Casa Literária do Arco do Cego, 1800, p. 13.
(2) Ibid.


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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Acidentes de trabalho nos engenhos do Brasil Colonial

Parte de uma pequena moenda muito antiga para cana-de-açúcar

A ideia que se tem sobre o trabalho nos engenhos que, no passado, eram movidos à força de animais (chamados "engenhos-trapiches") é de que tudo era feito morosamente, com burros, mulas ou bois em movimento lento e constante. Ora, se dermos crédito ao que, no final do Século XVIII, escreveu José Caetano Gomes, a realidade era bem outra.
Em época de safra, os engenhos trabalhavam à maior velocidade possível, para evitar que se perdesse a cana já colhida. De costume, as moendas funcionavam dia e noite. Os animais eram, sob ação contínua do chicote, postos a girar a moenda à máxima velocidade, resultando, algumas vezes, em acidentes:
"Os animais no seu giro, circulando as moendas, estorvam a passagem aos condutores da cana, que algumas vezes sucede serem atropelados." (¹)
Esse era apenas um dos riscos à integridade física de quem trabalhava nos engenhos. O maior deles, comum aos engenhos reais e trapiches, era para o escravo ou escrava que devia fazer a cana passar pela moenda. Conta o mesmo José Caetano Gomes:
"A mesa é muito baixa, e como o escravo, curvando-se um pouco, chega com as mãos à moenda, onde as costuma ter para amparar e empurrar as partes mínimas da cana, a que se chama bagaço, é causa de acidentes e de muitos escravos ficarem sem as mãos, o que todos os anos sucede em um ou outro engenho." (²)
Na lógica dos senhores, animais e escravos eram parte dos custos indispensáveis à produção daquilo que, de fato, interessava: açúcar e aguardente. Daí é que vinham os lucros. A morte de um animal por excesso de trabalho, a invalidez de um escravo atropelado ou que tivera uma mão amputada só interessavam ao senhor à medida que geravam despesas para sua substituição. Entretanto, animais não eram muito caros e escravos, pensavam os senhores, existiam para trabalhar mesmo. Se não ficassem inválidos por acidente, podiam morrer de uma doença qualquer. Não eram, portanto, nada para causar muita dor de cabeça a um típico senhor de engenho do Período Colonial.

(1) GOMES, José Caetano. Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar. Lisboa: Casa Literária do Arco do Cego, 1800, p. 19.
(2) Ibid., p. 32.


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quarta-feira, 23 de julho de 2014

Quanta cana um engenho real podia moer

Cana-de-açúcar (²)
De acordo com Antonil, um engenho real (com roda d'água) moía, semanalmente, as seguintes quantidades de cana-de-açúcar, no Século XVIII:
- Diariamente: 25 a 30 carros de cana;
- Semanalmente: até sete vezes a quantidade diária (o que significa que um engenho, nesse caso, funcionava os sete dias da semana, sem interrupções).
Explica o Padre Antonil (ou Andreoni...):
"No espaço de vinte e quatro horas é moída uma tarefa redonda de vinte e cinco até trinta carros de cana, e em uma semana das que chamam solteiras (que vêm a ser, sem dia santo), chegam a moer sete tarefas." (¹)
Era, para a capacidade do maquinário da época, uma quantidade enorme de cana, que resultava em lucros (grandes) para os senhores de engenho, para os que transportavam o açúcar até a Europa (lucros maiores) e para os que, depois de refinado o açúcar, vendiam-no nos mercados europeus (lucros muito maiores).
Essa quantidade de cana moída valia, como já disse, para os engenhos d'água, também chamados engenhos reais, que eram muito superiores em capacidade de moagem aos engenhos-trapiches, mais conhecidos como "engenhocas", e que eram, geralmente, movidos por animais (os muito pequenos usavam escravos para mover o maquinário). Mas havia, ao menos no Nordeste açucareiro, um grave problema em relação aos engenhos d'água: a falta exatamente dela, a água, quando, durante as longas estiagens, tão frequentes na região, os cursos d'água que moviam o maquinário chegavam a secar. Por isso, mesmo havendo cana para moer durante o ano todo, nem sempre isso acontecia - não por faltar a cana, e sim a água. Foi o que explicou o Padre Fernão Cardim, jesuíta, em carta ao Provincial de sua Ordem, datada dos anos oitenta do Século XVI:
"Tornando aos engenhos, cada um deles é uma máquina e fábrica incrível, uns são de água rasteiros, outros de água copeiros, os quais moem mais e com menos gasto, outros não são d'água, mas moem com bois, e chamam-se trapiches; estes têm muito maior fábrica e gasto, ainda que moem menos, moem todo o tempo do ano, o que não têm os d'água, porque às vezes lhes falta." (³)

(1) ANTONIL, André João (Giovanni Antonio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 53.
(2) PISO/PIES, Willen et MARKGRAF, Georg. Historia naturalis Brasiliae. Amsterdam: Ioannes de Laet, 1648, p. 83. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) CARDIM, Pe. Fernão, S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, p. 54.


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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Os engenhos de açúcar foram responsáveis por grandes desmatamentos

Um engenho, para funcionar, precisava ter excelente maquinário, muitos escravos e grande quantidade de cana-de-açúcar para moer, certo?
Sim, mas era preciso muito mais. É o que diz André João Antonil (ou Giovanni Antonio Andreoni), o grande autor do Período Colonial, em se tratando da economia açucareira. Uma das maiores necessidades de um verdadeiro engenho era dispor de quantidades enormes de lenha para queimar:
"Querem as fornalhas, que por sete e oito meses ardem de dia e de noite, muita lenha, e para isso há mister dois barcos velejados, para se buscar nos portos, indo um atrás do outro sem parar, e muito dinheiro para a comprar; ou grandes matos, com muitos carros e muitas juntas de bois para se trazer." (*)
O que nos explica o excelente Antonil é que, antes de mais nada, um engenho não podia funcionar se não houvesse lenha suficiente para manter as fornalhas trabalhando. Assim sendo, um senhor de engenho tinha duas opções, devendo eleger aquela que, para si, fosse mais conveniente:
a) Não havendo matas por perto, era preciso comprar lenha que vinha de longe, sendo necessário ter dois barcos que a trouxessem dos portos. O detalhe interessante é que Antonil assevera que o revezamento desses barcos precisava ser contínuo, para garantir o suprimento indispensável. Havia ainda o inconveniente de que lenha custava caro e o senhor teria que gastar bastante com ela.
b) Uma outra possibilidade, acessível quando havia matas por perto, era ter os próprios escravos trabalhando no corte das árvores. Essa, no entanto, não seria a única despesa, já que a madeira cortada deveria ser transportada até o engenho, o que requeria carros e bois para a tarefa.
Em síntese, com matas por perto, a lenha viria em carros de bois; com matas distantes, a lenha viria em barcos. Teria de vir, de qualquer maneira, para manter o incessante labor das fornalhas. Os engenhos eram, de uma ou de outra forma, responsáveis por grandes desmatamentos.

(*) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 2.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Carros de bois - Parte 4

O uso de carros de bois no transporte do açúcar até os portos


Carro de bois, de acordo com Thomas Ender (¹)

Quando, em um engenho de cana, o açúcar estava pronto, era colocado em caixas e levado a um porto, de onde seguia para ser comercializado na Europa. De acordo com Antonil, havia dois modos possíveis para o transporte do açúcar até o porto, dependendo da localização do engenho produtor.

a) Engenhos localizados nas proximidades do mar

"Nos engenhos à beira-mar, levam-se as caixas ao porto desta sorte: Com rolos e espeques passam uma atrás de outra da casa da caixaria para uma carreta, feita para isso mesmo mais baixa, e sobre esta se leva cada caixa até o porto, puxando pelas cordas os negros de quem a manda embarcar por sua conta." (²)
Vê-se que, nesse caso, era aos escravos que competia o enorme esforço físico necessário ao deslocamento das carretas com caixas de açúcar. Eis um aspecto do trabalho dos escravos nos engenhos que poucos conhecem, que pouco se menciona, mas que estava em perfeito acordo com toda a brutalidade da escravidão que sustentava a produção açucareira.

b) Engenhos localizados a alguma distância do mar

"Dos engenhos pela terra dentro, vem cada caixa sobre um carro com três ou quatro juntas de bois, conforme as lamas que hão de vencer, e nisto custa caro o descuido, porque por não as trazerem no tempo do verão, depois no inverno estafam-se e matam-se os bois." (³)
Entram em cena, aqui, novamente, os carros de bois, que já haviam trabalhado em levar a cana até os engenhos, e que agora são empregados em fazer o açúcar chegar ao porto. Nota-se, na fala de Antonil, o quão dificultoso podia ser o trajeto, em decorrência das péssimas estradas e trilhas, daí porque, usualmente, evitava-se a instalação de engenhos em pontos muito distantes do litoral.

(1) O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 93.
(3) Ibid.


Veja também:

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Prejuízos possíveis em um engenho colonial de cana-de-açúcar

Pelo muito que se valorizava social, política e economicamente a figura de um senhor de engenho no Brasil Colonial, poderá alguém ter uma ideia equivocada do que realmente significava ser proprietário de um engenho de açúcar, como se tal condição colocasse um homem e sua família ao abrigo de quaisquer dificuldades. Mas não era assim, e não era porque, conforme aprendemos com o jesuíta Antonil (*), que vivenciou de perto a realidade do Brasil açucareiro, um senhor de engenho podia ter, em sua propriedade, um número considerável de razões para prejuízo, que o conduziriam, em última análise, à bancarrota, se não devidamente administradas.
A primeira dessas razões (e é significativo que nosso famoso informante a tenha listado em primeiro lugar) era a fuga ou a morte de escravos. Sabe-se hoje que um africano, arrancado de seu Continente de origem e obrigado a trabalhar no Brasil, não tinha, em um engenho, uma expectativa de vida das mais favoráveis, tal a dureza do trabalho e das condições de vida que se lhe impunham, o que, segundo o próprio Antonil, obrigava cada senhor a, anualmente, adquirir novas "peças". Diante da vastidão despovoada do Brasil, muitos escravos reuniam toda a coragem que podiam e empreendiam fuga, indo reunir-se a outros, sob igual sorte, em povoações a que se deu o nome de quilombos. Sabe-se também que, longe de serem ocorrências excepcionais, os quilombos eram, sim, até comuns, fornecendo, para os escravos fugitivos, um abrigo, ainda que temporário.
Na lista de Antonil, a perda de cavalos e bois aparece em segundo lugar (outro fato curioso). Esses animais realizavam uma parte considerável do trabalho do engenho e, no caso dos bois, eram geralmente empregados para puxar os carros que transportavam a cana até a moenda e o açúcar até o porto de embarque, sucedendo por vezes que, devido às péssimas condições das estradas, em especial durante as temporadas de chuva, os bois chegavam a morrer de exaustão pelo trabalho que lhes era imposto.
Vem em seguida a menção às secas, fenômeno que, no Nordeste brasileiro, revestia-se de particular importância, uma vez que podia pôr a perder toda uma safra, embora os senhores apreciassem alguma estiagem, já que proporcionava à cana um maior potencial açucareiro.
Finalmente, lista Antonil os desastres ou imprevistos que anualmente podiam acometer um engenho e, embora não haja menção específica do que deviam ser eles, pode-se imaginar, por exemplo, eventuais incêndios, pragas na lavoura, excesso de chuva, e assim por diante.
Diante disso, leitor, fica evidente que, se a posição dos senhores era realmente elevada, os riscos que corriam também eram grandes, em um cenário no qual, apesar dos altos rendimentos que podiam vir a obter, não eram também, na cadeia que envolvia a produção, refino, exportação e comercialização do açúcar, com toda certeza, dos que mais lucravam.


(*) ANTONIL, André João (Giovanni Antonio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: 1711, p. 4.


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domingo, 4 de setembro de 2011

Engenhos e engenhocas

Quando é usada a expressão "engenho de cana-de-açúcar" ou "engenho colonial" pode-se dar a falsa ideia de que todas essas unidades açucareiras eram muito semelhantes. Ocorre, entretanto, que não eram. Havia engenhos funcionando com diferentes sistemas de moagem, para distintas capacidades de produção.
Falando dos engenhos de Pernambuco, Pero de Magalhães Gândavo, que escreveu o seu Tratado da Terra do Brasil ainda no século XVI, assinalou:
"Alguns moem com bois, a estes chamam trapiche, fazem menos açúcar que os outros, mas a maior parte dos engenhos do Brasil mói com água."
Detalhes, mesmo, seriam dados por Antonil em Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas, depois de considerar que o nome de "engenho" para as oficinas onde se fabricava o açúcar era plenamente justificado. É ele quem melhor explica a distinção entre pequenas e grandes unidades produtoras, dizendo:
"Dos engenhos, uns se chamam reais, outros, inferiores, vulgarmente engenhocas. Os reais ganharam este apelido por terem todas as partes de que se compõem, e todas as oficinas perfeitas, cheias de grande número de escravos, com muitos canaviais próprios e outros obrigados à moenda, e principalmente por terem a realeza de moerem com água, à diferença de outros, que moem com cavalos e bois, e são menos providos e aparelhados, ou pelo menos com menor perfeição e largueza das oficinas necessárias e com pouco número de escravos, para fazerem, como dizem, o engenho moente e corrente."

Engenho de açúcar com roda d'água (Rugendas) (¹)

Tem-se, pois, aqui, a principal diferença entre um engenho real e uma engenhoca ou trapiche: enquanto o primeiro era dotado de roda d'água, o último moía mediante a força de bois ou cavalos. Daí resultava, leitor, uma outra consequência, que não pode ser atribuída à totalidade dos casos, mas que era, contudo, muito frequente: os engenhos reais eram dedicados prioritariamente à produção de açúcar (sendo outros derivados da cana apenas uma produção secundária), enquanto as engenhocas tinham seu principal uso na fabricação de aguardente.
Há que acrescentar, ainda, que se a moenda fosse mesmo muito pequena, podia ser acionada pela força humana, o que equivale a dizer, por escravos, conforme a gravura de Debret que pode ser vista abaixo.

Pequena moenda de cana-de-açúcar (Debret) (²)

(1) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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