D. Maria I não é personagem histórica pela qual os brasileiros morrem de amores, seja pela repressão à Inconfidência Mineira, seja pela proibição de fábricas no Brasil. Portanto, o título de "a Piedosa", como foi chamada, não faz, por aqui, muito sentido, ainda que, sob certos aspectos, talvez o merecesse.
Nascida em 1734, foi, desde 1792, considerada mentalmente incapaz para conservar o reinado, e, desde então, substituída pelo filho D. João, que passou a exercer o governo na condição de príncipe-regente. Mas o mundo da época passava por mudanças acentuadas, e Maria I também teve de se mudar (em outro sentido), vindo viver no Brasil, a cuja capital, o Rio de Janeiro, chegou em 1808, como parte da Família Real que deixara o Reino para fugir das pretensões napoleônicas. E foi no Rio mesmo que D. Maria faleceu, em 20 de março de 1816.
No mês seguinte, a informação oficial de sua morte chegou à Câmara de São Paulo, mediante ofício do capitão-general Conde da Palma, incluindo uma ordem para que o luto fosse observado com todas as formalidades e demonstrações públicas de tristeza. Não vinha ao caso a opinião popular sobre a rainha: era cumprir a ordem, e pronto. Assim, em 20 de abril, os oficiais da Câmara e mais funcionários públicos da localidade, "todos de capas de baetas pretas até os pés, chapéus desabados e fumos (¹) caídos [...], pegando cada um dos vereadores em seu escudo preto e varas pretas [...], montaram todos a cavalo, todos os quais cavalos iam cobertos de baeta preta até ao chão [...]" (²), e trataram de cumprir o ritual que deles se esperava, diante da população, cuja reação, ainda que não registrada, bem se pode imaginar:
"[...] logo no pátio deste Concelho (³), onde estava postado um corpo de tropas, e no meio da praça um arquibanco de madeira coberto de baeta preta, subiu o vereador mais velho, e proferindo três vezes esta legenda - Chorai, Nobres, chorai, Povo, que é morta a Augustíssima rainha Senhora Dona Maria Primeira do Reino Unido de Portugal e Brasil e Algarves - e quebrou o escudo e atirou ao chão, findo o qual ato deu a tropa três descargas e daí foi indo a Câmara acompanhada pelo dito corpo de tropas para o largo e pátio da Câmara, onde estava postado outro corpo de tropas, ao qual se reuniu o corpo que acompanhava a Câmara, e em outro arquibanco que se achava quebrou o escudo o segundo vereador, proferindo três vezes a referida legenda - e deu o corpo de tropas três descargas; daí seguiu a Câmara acompanhada da referida tropa para o largo da Sé, onde estava postado outro corpo de tropas, a que se reuniram o primeiro e o segundo, e deram juntamente três descargas, depois de quebrado terceiro escudo pelo terceiro vereador em outro arquibanco que aí estava armado; daí seguiu a Câmara acompanhada dos três corpos de tropas referidos para o largo do Colégio, onde estava postado outro corpo de tropas, ao qual se reuniram outra vez os primeiros corpos que acompanhavam a Câmara, e quebrando o procurador o último escudo, proferindo três vezes a referida legenda, toda a tropa deu três descargas, [...], e daí voltando para os Paços do Concelho se mandou lavrar este termo para a todo tempo constar [...]" (⁴).
Não devia haver dúvida de que a Câmara levara a efeito o que dela se esperava. Cerimônias como essa, com um simbolismo que hoje nos parece estranho, até ridículo, na época eram feitas com toda a seriedade.
Cinco dias mais tarde, em 25 de abril de 1816, portanto, a Câmara fez outro "ajuntamento", como se dizia. Era aniversário de D. Carlota Joaquina, e lá se foram os vereadores e mais oficiais a caminho da Sé, para um Te Deum Laudamus "pelos felizes anos" da princesa que detestava o Brasil e que, pela morte da sogra, passaria a ser chamada rainha. Do luto às festas, cumpriam-se à risca as formalidades. Quanto à vida da gente comum, seguia tudo como sempre.
Nascida em 1734, foi, desde 1792, considerada mentalmente incapaz para conservar o reinado, e, desde então, substituída pelo filho D. João, que passou a exercer o governo na condição de príncipe-regente. Mas o mundo da época passava por mudanças acentuadas, e Maria I também teve de se mudar (em outro sentido), vindo viver no Brasil, a cuja capital, o Rio de Janeiro, chegou em 1808, como parte da Família Real que deixara o Reino para fugir das pretensões napoleônicas. E foi no Rio mesmo que D. Maria faleceu, em 20 de março de 1816.
No mês seguinte, a informação oficial de sua morte chegou à Câmara de São Paulo, mediante ofício do capitão-general Conde da Palma, incluindo uma ordem para que o luto fosse observado com todas as formalidades e demonstrações públicas de tristeza. Não vinha ao caso a opinião popular sobre a rainha: era cumprir a ordem, e pronto. Assim, em 20 de abril, os oficiais da Câmara e mais funcionários públicos da localidade, "todos de capas de baetas pretas até os pés, chapéus desabados e fumos (¹) caídos [...], pegando cada um dos vereadores em seu escudo preto e varas pretas [...], montaram todos a cavalo, todos os quais cavalos iam cobertos de baeta preta até ao chão [...]" (²), e trataram de cumprir o ritual que deles se esperava, diante da população, cuja reação, ainda que não registrada, bem se pode imaginar:
"[...] logo no pátio deste Concelho (³), onde estava postado um corpo de tropas, e no meio da praça um arquibanco de madeira coberto de baeta preta, subiu o vereador mais velho, e proferindo três vezes esta legenda - Chorai, Nobres, chorai, Povo, que é morta a Augustíssima rainha Senhora Dona Maria Primeira do Reino Unido de Portugal e Brasil e Algarves - e quebrou o escudo e atirou ao chão, findo o qual ato deu a tropa três descargas e daí foi indo a Câmara acompanhada pelo dito corpo de tropas para o largo e pátio da Câmara, onde estava postado outro corpo de tropas, ao qual se reuniu o corpo que acompanhava a Câmara, e em outro arquibanco que se achava quebrou o escudo o segundo vereador, proferindo três vezes a referida legenda - e deu o corpo de tropas três descargas; daí seguiu a Câmara acompanhada da referida tropa para o largo da Sé, onde estava postado outro corpo de tropas, a que se reuniram o primeiro e o segundo, e deram juntamente três descargas, depois de quebrado terceiro escudo pelo terceiro vereador em outro arquibanco que aí estava armado; daí seguiu a Câmara acompanhada dos três corpos de tropas referidos para o largo do Colégio, onde estava postado outro corpo de tropas, ao qual se reuniram outra vez os primeiros corpos que acompanhavam a Câmara, e quebrando o procurador o último escudo, proferindo três vezes a referida legenda, toda a tropa deu três descargas, [...], e daí voltando para os Paços do Concelho se mandou lavrar este termo para a todo tempo constar [...]" (⁴).
Não devia haver dúvida de que a Câmara levara a efeito o que dela se esperava. Cerimônias como essa, com um simbolismo que hoje nos parece estranho, até ridículo, na época eram feitas com toda a seriedade.
Cinco dias mais tarde, em 25 de abril de 1816, portanto, a Câmara fez outro "ajuntamento", como se dizia. Era aniversário de D. Carlota Joaquina, e lá se foram os vereadores e mais oficiais a caminho da Sé, para um Te Deum Laudamus "pelos felizes anos" da princesa que detestava o Brasil e que, pela morte da sogra, passaria a ser chamada rainha. Do luto às festas, cumpriam-se à risca as formalidades. Quanto à vida da gente comum, seguia tudo como sempre.
(1) Faixa usada em sinal de luto.
(2) Os trechos citados da ata da Câmara de São Paulo de 20 de abril de 1816 foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão.
(3) "Concelho" com "c" é o nome da unidade municipal portuguesa, que, nesse tempo, ainda era usado no Brasil.
(4) Cf. Ata da Câmara de São Paulo de 20 de abril de 1816.
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