Li há poucos dias um trechinho bem interessante de Machado de Assis, que me deu o que pensar. Compartilho-o com você, leitor:
Indague quem quiser o motivo histórico deste foguetear os três santos, uso que herdamos dos nossos maiores; a realidade é que, não obstante o ceticismo do tempo, muita e muita dezena de anos há de correr, primeiro que o povo perca os seus antigos amores. Nestas noites abençoadas é que as crendices sãs abrem todas as velas. As consultas, as sortes, os ovos guardados em água, e outras sublimes ridicularias, ria-se delas quem quiser; eu vejo-as com respeito, com simpatia, e se alguma coisa me molestam é por eu não as saber já praticar. Os anos que passam tiram à fé o que há nela pueril, para só lhe deixar o que há sério; e triste daquele a quem nem isso fica: esse perde o melhor das recordações. (*)
Veja, Machado (em 1878, que fique bem entendido) diz que muito tempo haveria de passar até que o povo perdesse o encanto pelas superstições relacionadas aos festejos juninos. Minha pergunta é: isso já aconteceu?
Não tenho como discutir o que seguramente persiste em ambientes rurais. No entanto, nos conglomerados urbanos, já é outra coisa. Há festas juninas por toda parte, incluindo escolas e clubes, mas são movidas por propósitos que vão desde a simples necessidade de convívio social até o imperativo do levantamento de fundos para alguma causa filantrópica. Não se incluem, portanto, no panorama da preservação pura e simples de tradições populares, que é o objeto de nossa investigação. Quero lembrar, por outro lado, que não estão em discussão aqui as crenças e práticas estritamente religiosas de quem quer se seja, mesmo porque não fazem parte do campo de atuação deste blog.
Mastro de Santo Antônio, encontrado ao lado da capelinha a que a postagem se refere |
Pode parecer um arroubo de ceticismo, mas quis voltar à tal capelinha de Santo Antônio, não para desatar alguém - jamais me dei ao trabalho de brincar com essa tolice, por mais que colegas insistissem - mas para verificar se Machado tinha ou não razão. Achei a igreja fechada, o que é significativo, pois em outros tempos, nos dias que antecediam 13 de junho, havia muita gente por lá o tempo todo, tanto que as emissárias dos nozinhos tinham uma certa dificuldade em depositá-los aos pés da imagem do santo que se acreditava casamenteiro. E, embora uma faixa na entrada avisasse que haveria quermesse em honra de Santo Antônio, o cenário, para dizer a verdade, não era de entusiasmar. A conclusão óbvia é que, ao menos ali, é bem possível que uma ou outra pessoa ainda se atenha às velhas tradições, mas, como regra geral, elas desapareceram. Não tenho motivo para crer que a situação seja muito diferente em outros centros urbanos.
Então, leitor, se era esse tipo de prática que Machado de Assis tinha em mente, acho que é até de se comemorar que tenha declinado. Talvez estejamos precisando muito nesse país de uma boa dose de fria racionalidade em lugar de crendices, por mais românticas que pareçam. Entretanto, é bom dizer que isso não precisa atingir os doces das festas de junho, particularmente o de batata-doce, meu favorito. Eis aí uma tradição digna de longevidade!
(*) Notas Semanais, 16 de junho de 1878.
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