Ao longo do século XIX proliferaram os jornais, ao menos nas cidades mais importantes do Império do Brasil. Como ocorre ainda hoje, uma parte razoável dessas publicações era dedicada a anúncios e propagandas, que devidamente estudados fornecem informações muito interessantes sobre a época.
Entre os anúncios que se publicavam eram assíduos aqueles relativos a escravos que haviam fugido. Seguiam um certo padrão, informando coisas como nome do escravo e do proprietário, data e local de onde fugira, características físicas do escravo e, frequentemente, a roupa que vestia na ocasião da fuga. Selecionei alguns desses anúncios que transcrevo a seguir, a título de amostragem, já que esclarecem qual era a roupa comum dos escravos, particularmente dos que trabalhavam em fazendas, em meados do século XIX. São uma fonte de informação mas, ao mesmo tempo, mostram com clareza parte do horror do escravismo, naquilo que tinha de pior: os tentáculos do esquema de captura daqueles que ousavam fugir.
"Em 12 de maio de 1852 fugiram [...] dois escravos:
Um mulato de nome Marcino [...], levou uma faca de cabo de prata e uma pistola garrucha, uma capa de pano escocês além de mais roupa fina [...].
Outro [...] levou chapéu de minas, capa redonda, um pala branco e outro pintado de lã usado e sem forro, um paletó de brim e mais roupa grossa e fina [...]."
(Aurora Paulistana, 27 de maio de 1852)
"50$000 de gratificação a quem aprender um escravo de nome José [...]: levou roupa de algodão e poncho velho de forro encarnado."
(Aurora Paulistana, 28 de julho de 1852)
"Fugiu no dia 4 de agosto corrente um escravo [...] de nome Sabino [...], levou paletó de pano azul, forrado de baetilha xadrez e calça de algodão azul trançado [...]."
(Aurora Paulistana, 21 de agosto de 1852)
"Em princípio de maio do corrente ano fugiram da fazenda [...] dois escravos [...].
1º Miguel [...] Quando fugiu levou vestido calça e camisa de algodão, camisa e coberta de baeta azul e um ponche velho, mas pode ter já mudado de traje.
2º Francisco [...] Quando fugiu levou vestido calça e camisa de algodão mas pode ter já mudado de vestuário. [...] Ambos eles têm sinais de terem sido castigados por serem muito fujões."
(Aurora Paulistana, 21 de agosto de 1852)
"Fugiu [...] um escravo crioulo de nome Gabriel [...] com um sinal de gancho no pescoço e outro no pé defronte do tornozelo. Levou consigo um ponchinho velho e sem forro, duas camisas das quais uma de algodão, por baixo de uma de baeta azul, levou também calça de algodão da terra e um chapéu de pano branco velho e já rasgado."
(Aurora Paulistana, 29 de agosto de 1852)
"Fugiu [...] um escravo mulato de nome Amaro [...], foi vestido de camisa e calça de algodão, chapéu de palha, levou um poncho de pano azul e forro de baeta da mesma cor, e igualmente levou uma foice."
(Aurora Paulistana, 25 de outubro de 1852)
"Fugiu [...] um escravo de nome Antônio [...], levou uma baeta azul, roupa fina e grossa, chapéu de palha [...]."
(Aurora Paulistana, 25 de outubro de 1852)
"Fugiu em princípios de setembro deste ano [...] um escravo mulato de nome Mariano [...] levou uma pistola, uma faca, cartucheira com fivela de prata e vestido um poncho de forro vermelho, calça de algodão riscado, chapéu branco de copa redonda."
(Aurora Paulistana, 23 de dezembro de 1852)
"Gratifica-se generosamente a pessoa que apreender o escravo mulato de nome Belisário [...].
Esse escravo fugiu [...] trazendo camisa de chita e calça de casimira e cobertor francês branco. "
(Correio Paulistano, 5 de fevereiro de 1867)
Percebe-se facilmente uma regularidade - tecidos de algodão para calças e camisas, a recorrente camisa de baeta azul, poncho vermelho, algum tipo de chapéu. É de se notar que, na região serrana do Rio de Janeiro e em São Paulo, parte da indumentária comum aos escravos era um poncho de tecido espesso e resistente, em virtude das noites frias do inverno, embora essa peça não figurasse sempre entre os cativos que viviam regiões mais quentes. Podem ser percebidas algumas outras variações nos anúncios, mas eventuais discrepâncias não significam uma obrigatória variante do padrão, já que as roupas adicionais que um escravo levava ao fugir não tinham, necessariamente, que ser suas. Em caso de fugas planejadas, um escravo podia tentar ocultar algumas peças durante certo tempo, a fim de ter como substituir as vestes usadas ao escapulir, o que aumentaria um pouco a probabilidade de sucesso em ocultar-se dos caçadores de recompensas que certamente iriam procurá-lo.
Veja também:
Muito bom texto. Estive pesquisando para uma pesquisa e percebo o quão difícil é encontrar referencias confiáveis de vestuário no Brasil colonial.
ResponderExcluirMuito legal
ResponderExcluirOlá, Unknown, que bom que você gostou!
ResponderExcluir