quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os problemas ambientais no Brasil e uma "profecia" de quase duzentos anos

Como José Bonifácio alertou para as consequências da degradação ambiental


Boa parte do Brasil está passando por prolongada estiagem. Os efeitos são facilmente notados, tanto na saúde da população (sendo as crianças e idosos os que tendem a sofrer mais em decorrência da péssima qualidade do ar), quanto na enorme facilidade com que incêndios conseguem propagar-se, quer nas matas, quer nas cidades. Ainda esta manhã os telejornais mostravam uma favela a arder no Jabaquara, com o quadro agravado por tratar-se de área próxima ao aeroporto de Congonhas. Já os jornais estão a falar em "dias de Saara" para São Paulo e adjacências, paralelamente à divulgação de dados alarmantes relativos aos incêndios florestais, que chegam a desafiar a perseverança e competência de bombeiros e voluntários por semanas inteiras, como é o caso do que ainda ocorre na Ilha do Bananal. Agricultores lamentam o comprometimento das lavouras, enquanto que em algumas cidades, aquelas com sistemas de captação menos eficientes, já começam a ser impostas medidas para controle do consumo de água.
É nesse clima que escrevo e, para ser mais exata, neste momento a umidade relativa do ar marca absurdos 13%, o que me fez lembrar de uma leitura de tempos atrás que quero compartilhar com você, leitor.
Era o ano de 1823 e, em meio aos debates da Assembleia Constituinte, José Bonifácio escreveu uma memória em que advogava o fim gradual da escravidão, mostrando toda a inconveniência do trabalho compulsório para o Brasil. Ocorre que a Constituinte foi dissolvida e, como se sabe, José Bonifácio foi exilado, de modo que a citada memória, com o título de A Abolição, só veio a ser impressa pela primeira vez em Paris, no ano de 1825, após o que virtualmente caiu no esquecimento, do qual só foi arrancada pela crescente luta abolicionista nos anos oitenta do século XIX. Mas, nesse tempo, Bonifácio já era falecido há décadas.
Por suposto o leitor atento de nossos dias notará nessa pequena obra todo o ideário do tempo em que foi produzida, o que não invalida a ideia central que seu autor desenvolveu. Não, não estou fugindo do assunto da postagem; ao contrário, concluo citando um breve trecho de A Abolição, para que você possa estabelecer seu próprio juízo sobre o assunto:
"A natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas, que temos roteado, são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas, ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favoreçam a vegetação, e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil em menos de dois séculos ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos."(*)
Que lhe parece? Bonifácio escreveu em 1823. Estamos no Século XXI!


(*)  ANDRADA E SILVA, J. B. A Abolição. Rio de Janeiro: Lombaerts & Comp., 1884, pp. 34 e 35.

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