terça-feira, 27 de outubro de 2020

Como eram as escolas na Província de São Paulo em meados do Século XIX

Como deve ser uma escola? Quais são suas ideias sobre isto, leitores? 
No Século XIX, a comissão que elaborou o Código de Instrução Pública da Província de São Paulo de 1857 definiu a matéria deste modo, nos Artigos 148 e 149:
"Art. 148. O Governo fornecerá em um dos lugares mais silenciosos, e ao mesmo tempo mais centrais da cidade, vila ou freguesia, uma casa suficientemente espaçosa e salubre, onde se deem todas as aulas e escolas públicas de cada sexo nas horas que pelo Diretor Geral forem marcadas [...]. 
Art. 149. Onde não houver edifício público ou convento o Governo alugará para esse fim uma casa particular. Neste caso o Inspetor [...] promoverá em todo o Município uma subscrição para ser aplicada à construção de um edifício próprio para esse mister, a qual será auxiliada pelo Cofre Provincial, com a quantia que anualmente for votada na lei do orçamento. Enquanto, porém, o Governo não fornecer um edifício especial para as escolas e aulas públicas, continuarão elas como na atualidade." (¹)
Parece-me indispensável explicar que, pelo Código de 1857, era obrigatório enviar os filhos à escola, desde que se residisse não muito longe dela. Como, na prática, a maior parte da população era rural, não havia muita novidade, e a criançada, em sua maioria, continuava tão sábia nos assuntos do alfabeto quanto era ao vir ao mundo, assim seguindo pela vida afora. Mas, sejamos justos: era um começo de mudança. 
Em que deram tão boas intenções?
Há, por suposto, relatórios da época feitos por inspetores e outros funcionários, com as formalidades exigidas pelos respectivos cargos. Menos formal, ainda que talvez com observação mais isenta, há o relato de viagem feito por Augusto-Emílio Zaluar, sob o título de Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861, no qual o autor informa a condição da instrução pública na maioria das localidades por onde passou, dentre as quais:

Bananal
"A instrução é representada aqui apenas por duas escolas particulares do sexo masculino e uma pública de meninas, frequentadas as primeiras por uns vinte alunos, e a segunda por uma ou duas educandas!" (²)

São José do Barreiro
"[...] A instrução pública estaria aqui também em completa decadência se não fosse o povo manter à sua custa, há mais de vinte anos, uma escola de ensino primário, e há cerca de oito anos, um colégio de meninas [...]." (³)

Areias
"Areias tem duas escolas públicas de instrução primária, uma do sexo masculino, outra do sexo feminino; a primeira frequentada por sessenta e um, e a segunda por vinte e seis alunos [...]." (⁴)

Lorena
"[...] A instrução pública está representada nesta cidade por quatro escolas, divididas do modo seguinte: uma régia de instrução primária do sexo masculino, frequentada por cinquenta e um alunos, e outra do sexo feminino, que conta umas trinta educandas; uma aula de latim e francês, também pública, concorrida por uns seis alunos, e uma outra particular de instrução primária por uns trinta e tantos. Os professores são aqui, como em quase toda a Província, mesquinhamente recompensados." (⁵) 

Guaratinguetá
"A instrução pública [...] dá este resultado:
Duas escolas de ensino primário, frequentadas por alunos..... 115
Duas particulares, por .............................................................. 48
Uma do sexo feminino, por ...................................................... 30
Cadeira de latim e francês, por ................................................ 16
Colégio particular de meninas, por ...........................................16
No termo há muitas outras escolas, e o que é singular é que o número de alunos que frequentam estas aulas seja muito inferior ao dos que se matriculam todos os anos!" (⁶)

Pindamonhangaba
"Aqui há uma escola pública de instrução primária para meninos, frequentada por vinte alunos, e outra do sexo feminino, por sessenta educandas. Além destas, há uma cadeira de latim e francês, frequentada por doze alunos.
Existem mais quatro aulas de ensino privado, cursadas por quarenta e sete discípulos, outra por trinta e seis, outra por oito, e outra por seis." (⁷)
Havia, no entanto, mais estudantes dessa cidade frequentando escolas, mas não no próprio lugar: 
"[...] é preciso observar que a maior parte dos filhos das famílias mais distintas e abastadas não cursam as aulas do lugar, mas vão educar-se em São Paulo, onde o ensino público tem mais recursos, e onde ao mesmo tempo se habilitam para os estudos superiores e para entrarem na faculdade de Direito." (⁸) 

Campinas
"A instrução pública tem tido em Campinas um desenvolvimento não menos satisfatório que a lavoura. Existem aqui duas escolas públicas de primeiras letras, uma secundária, e cinco particulares de instrução primária, sendo uma de meninas, dois colégios de instrução secundária, sendo um de cada sexo; representando o número total dos alunos de todas estas aulas, do sexo masculino duzentos e quarenta, e do feminino cento e vinte educandas. Além destas casas de ensino, a maior parte dos fazendeiros paga mestres para educar seus filhos, e um bom número de jovens campineiros frequenta atualmente em São Paulo as aulas da faculdade de Direito. [...]" (⁹)

Piracicaba
"A instrução pública é representada aqui por duas escolas de ensino primário do sexo masculino, uma frequentada por cento e quatorze, outra por sessenta e dois alunos; além destas, há uma particular, com quatorze alunos,
A escola pública primária do sexo feminino é frequentada por quarenta e duas educandas, e uma particular do mesmo sexo por dezoito meninas." (¹º)
No entanto, uma das escolas para meninos tinha localização algo bizarra: 
"[...] em uma mesma casa [...] em frente da Matriz, reúne a Câmara Municipal as suas sessões, funciona o Júri, dão as devidas autoridades suas audiências e trabalha a escola pública de primeiras letras do sexo masculino! Note-se, porém, que isto é no pavimento superior, pois o térreo se distribui em uma prisão para homens, outra para mulheres e uma espécie de saguão com tarimba para a guarda. [...]" (¹¹). 
O resultado prático dessa estranha situação é que as aulas eram suspensas cada vez que funcionava o Tribunal do Júri. 

Sorocaba
"Há nesta cidade cinco escolas de primeiras letras, três do sexo masculino e duas do feminino; três públicas e duas particulares; frequentadas as do sexo masculino por cento e noventa e dois alunos, e as do feminino por cento e treze. Além destas, há uma aula de latim e francês com vinte e sete alunos, que aprendem simultaneamente as duas línguas." (¹²)

Em relação às cidades do Vale do Paraíba e adjacências, deve-se recordar que tiveram, durante algumas décadas do Século XIX, uma grande importância econômica devido à produção de café para exportação. Como se sabe, muitas dessas localidades seriam, no futuro, qualificadas como "cidades mortas", no dizer de Monteiro Lobato, uma vez que o esgotamento do solo, fruto de técnicas inadequadas de cultivo, tornou o efêmero progresso proporcionado pelo café apenas em memória saudosa do passado. Algumas delas, porém, adotando outros rumos, são hoje cidades importantes. 
No geral, é fácil perceber o vínculo entre desenvolvimento econômico de uma localidade e maiores oportunidades educacionais para as crianças e jovens, ainda que sempre haja exceções. Finalmente, os números mostram uma diferença gritante nas matrículas de meninos e meninas nas escolas (¹³), mesmo se considerarmos que nem todos os matriculados efetivamente frequentavam as aulas, a despeito da multa que podia ser imposta aos pais dos que se ausentavam sem justificativa. Não se esqueçam, leitores: as informações oferecidas por Zaluar cobrem um pequeno número de localidades. Quanto às demais, no entanto, é improvável que houvesse grandes diferenças. 

(1) _________ Código de Instrução Pública da Província de São Paulo. S. Paulo: Typographia Dous de Dezembro, 1857, pp. 24 e 25.
(2) ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1862, p. 51.
(3) Ibid., pp. 69 e 70.
(4) Ibid., pp. 77 e 78.
(5) Ibid. p. 108.
(6) Ibid. p. 116. 
(7) Ibid. pp. 140 e 141.
(8) Ibid. p. 142.
(9) Ibid. pp. 226 e 227.
(10) Ibid., p. 254.
(11) Ibid., p. 246.
(12) Ibid., p. 271.
(13) A explicação desse fenômeno pode ser assunto interessante para outra postagem. 


2 comentários:

  1. Tempos pioneiros, marcados pela visão que as pessoas tinham da sociedade (mais elementos do sexo masculino, que as mulheres queriam-se a cuidar da casa). Ainda assim, uma ideia (instrução das pessoas) que acabou por vingar.

    Um abraço, Marta :)

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    1. Uma ideia que ainda insiste em vingar, a despeito de tudo, especialmente nesses tempos em que estudantes de todas as idades estão, no melhor dos casos, restritos a aulas remotas, em que o professor só é visto na tela de um computador. Esperamos por tempos melhores.
      Um abraço, tenha um ótimo final de semana!

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