Como deve ser uma escola? Quais são suas ideias sobre isto, leitores?
No Século XIX, a comissão que elaborou o Código de Instrução Pública da Província de São Paulo de 1857 definiu a matéria deste modo, nos Artigos 148 e 149:
No Século XIX, a comissão que elaborou o Código de Instrução Pública da Província de São Paulo de 1857 definiu a matéria deste modo, nos Artigos 148 e 149:
"Art. 148. O Governo fornecerá em um dos lugares mais silenciosos, e ao mesmo tempo mais centrais da cidade, vila ou freguesia, uma casa suficientemente espaçosa e salubre, onde se deem todas as aulas e escolas públicas de cada sexo nas horas que pelo Diretor Geral forem marcadas [...].
Art. 149. Onde não houver edifício público ou convento o Governo alugará para esse fim uma casa particular. Neste caso o Inspetor [...] promoverá em todo o Município uma subscrição para ser aplicada à construção de um edifício próprio para esse mister, a qual será auxiliada pelo Cofre Provincial, com a quantia que anualmente for votada na lei do orçamento. Enquanto, porém, o Governo não fornecer um edifício especial para as escolas e aulas públicas, continuarão elas como na atualidade." (¹)
Parece-me indispensável explicar que, pelo Código de 1857, era obrigatório enviar os filhos à escola, desde que se residisse não muito longe dela. Como, na prática, a maior parte da população era rural, não havia muita novidade, e a criançada, em sua maioria, continuava tão sábia nos assuntos do alfabeto quanto era ao vir ao mundo, assim seguindo pela vida afora. Mas, sejamos justos: era um começo de mudança.
Em que deram tão boas intenções?
Em que deram tão boas intenções?
Há, por suposto, relatórios da época feitos por inspetores e outros funcionários, com as formalidades exigidas pelos respectivos cargos. Menos formal, ainda que talvez com observação mais isenta, há o relato de viagem feito por Augusto-Emílio Zaluar, sob o título de Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861, no qual o autor informa a condição da instrução pública na maioria das localidades por onde passou, dentre as quais:
Bananal
"A instrução é representada aqui apenas por duas escolas particulares do sexo masculino e uma pública de meninas, frequentadas as primeiras por uns vinte alunos, e a segunda por uma ou duas educandas!" (²)
São José do Barreiro
"[...] A instrução pública estaria aqui também em completa decadência se não fosse o povo manter à sua custa, há mais de vinte anos, uma escola de ensino primário, e há cerca de oito anos, um colégio de meninas [...]." (³)
Areias
"Areias tem duas escolas públicas de instrução primária, uma do sexo masculino, outra do sexo feminino; a primeira frequentada por sessenta e um, e a segunda por vinte e seis alunos [...]." (⁴)
Lorena
"[...] A instrução pública está representada nesta cidade por quatro escolas, divididas do modo seguinte: uma régia de instrução primária do sexo masculino, frequentada por cinquenta e um alunos, e outra do sexo feminino, que conta umas trinta educandas; uma aula de latim e francês, também pública, concorrida por uns seis alunos, e uma outra particular de instrução primária por uns trinta e tantos. Os professores são aqui, como em quase toda a Província, mesquinhamente recompensados." (⁵)
Guaratinguetá
"A instrução pública [...] dá este resultado:
Duas escolas de ensino primário, frequentadas por alunos..... 115
Duas particulares, por .............................................................. 48
Uma do sexo feminino, por ...................................................... 30
Cadeira de latim e francês, por ................................................ 16
Colégio particular de meninas, por ...........................................16
No termo há muitas outras escolas, e o que é singular é que o número de alunos que frequentam estas aulas seja muito inferior ao dos que se matriculam todos os anos!" (⁶)
Pindamonhangaba
"Aqui há uma escola pública de instrução primária para meninos, frequentada por vinte alunos, e outra do sexo feminino, por sessenta educandas. Além destas, há uma cadeira de latim e francês, frequentada por doze alunos.
Existem mais quatro aulas de ensino privado, cursadas por quarenta e sete discípulos, outra por trinta e seis, outra por oito, e outra por seis." (⁷)
Havia, no entanto, mais estudantes dessa cidade frequentando escolas, mas não no próprio lugar:
"[...] é preciso observar que a maior parte dos filhos das famílias mais distintas e abastadas não cursam as aulas do lugar, mas vão educar-se em São Paulo, onde o ensino público tem mais recursos, e onde ao mesmo tempo se habilitam para os estudos superiores e para entrarem na faculdade de Direito." (⁸)
"[...] é preciso observar que a maior parte dos filhos das famílias mais distintas e abastadas não cursam as aulas do lugar, mas vão educar-se em São Paulo, onde o ensino público tem mais recursos, e onde ao mesmo tempo se habilitam para os estudos superiores e para entrarem na faculdade de Direito." (⁸)
Campinas
"A instrução pública tem tido em Campinas um desenvolvimento não menos satisfatório que a lavoura. Existem aqui duas escolas públicas de primeiras letras, uma secundária, e cinco particulares de instrução primária, sendo uma de meninas, dois colégios de instrução secundária, sendo um de cada sexo; representando o número total dos alunos de todas estas aulas, do sexo masculino duzentos e quarenta, e do feminino cento e vinte educandas. Além destas casas de ensino, a maior parte dos fazendeiros paga mestres para educar seus filhos, e um bom número de jovens campineiros frequenta atualmente em São Paulo as aulas da faculdade de Direito. [...]" (⁹)
Piracicaba
"A instrução pública é representada aqui por duas escolas de ensino primário do sexo masculino, uma frequentada por cento e quatorze, outra por sessenta e dois alunos; além destas, há uma particular, com quatorze alunos,
A escola pública primária do sexo feminino é frequentada por quarenta e duas educandas, e uma particular do mesmo sexo por dezoito meninas." (¹º)
No entanto, uma das escolas para meninos tinha localização algo bizarra:
"[...] em uma mesma casa [...] em frente da Matriz, reúne a Câmara Municipal as suas sessões, funciona o Júri, dão as devidas autoridades suas audiências e trabalha a escola pública de primeiras letras do sexo masculino! Note-se, porém, que isto é no pavimento superior, pois o térreo se distribui em uma prisão para homens, outra para mulheres e uma espécie de saguão com tarimba para a guarda. [...]" (¹¹).
O resultado prático dessa estranha situação é que as aulas eram suspensas cada vez que funcionava o Tribunal do Júri.
"[...] em uma mesma casa [...] em frente da Matriz, reúne a Câmara Municipal as suas sessões, funciona o Júri, dão as devidas autoridades suas audiências e trabalha a escola pública de primeiras letras do sexo masculino! Note-se, porém, que isto é no pavimento superior, pois o térreo se distribui em uma prisão para homens, outra para mulheres e uma espécie de saguão com tarimba para a guarda. [...]" (¹¹).
O resultado prático dessa estranha situação é que as aulas eram suspensas cada vez que funcionava o Tribunal do Júri.
Sorocaba
"Há nesta cidade cinco escolas de primeiras letras, três do sexo masculino e duas do feminino; três públicas e duas particulares; frequentadas as do sexo masculino por cento e noventa e dois alunos, e as do feminino por cento e treze. Além destas, há uma aula de latim e francês com vinte e sete alunos, que aprendem simultaneamente as duas línguas." (¹²)
Em relação às cidades do Vale do Paraíba e adjacências, deve-se recordar que tiveram, durante algumas décadas do Século XIX, uma grande importância econômica devido à produção de café para exportação. Como se sabe, muitas dessas localidades seriam, no futuro, qualificadas como "cidades mortas", no dizer de Monteiro Lobato, uma vez que o esgotamento do solo, fruto de técnicas inadequadas de cultivo, tornou o efêmero progresso proporcionado pelo café apenas em memória saudosa do passado. Algumas delas, porém, adotando outros rumos, são hoje cidades importantes.
No geral, é fácil perceber o vínculo entre desenvolvimento econômico de uma localidade e maiores oportunidades educacionais para as crianças e jovens, ainda que sempre haja exceções. Finalmente, os números mostram uma diferença gritante nas matrículas de meninos e meninas nas escolas (¹³), mesmo se considerarmos que nem todos os matriculados efetivamente frequentavam as aulas, a despeito da multa que podia ser imposta aos pais dos que se ausentavam sem justificativa. Não se esqueçam, leitores: as informações oferecidas por Zaluar cobrem um pequeno número de localidades. Quanto às demais, no entanto, é improvável que houvesse grandes diferenças.
(1) _________ Código de Instrução Pública da Província de São Paulo. S. Paulo: Typographia Dous de Dezembro, 1857, pp. 24 e 25.
(2) ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1862, p. 51.
(3) Ibid., pp. 69 e 70.
(4) Ibid., pp. 77 e 78.
(5) Ibid. p. 108.
(6) Ibid. p. 116.
(7) Ibid. pp. 140 e 141.
(8) Ibid. p. 142.
(9) Ibid. pp. 226 e 227.
(10) Ibid., p. 254.
(11) Ibid., p. 246.
(12) Ibid., p. 271.
(13) A explicação desse fenômeno pode ser assunto interessante para outra postagem.
Tempos pioneiros, marcados pela visão que as pessoas tinham da sociedade (mais elementos do sexo masculino, que as mulheres queriam-se a cuidar da casa). Ainda assim, uma ideia (instrução das pessoas) que acabou por vingar.
ResponderExcluirUm abraço, Marta :)
Uma ideia que ainda insiste em vingar, a despeito de tudo, especialmente nesses tempos em que estudantes de todas as idades estão, no melhor dos casos, restritos a aulas remotas, em que o professor só é visto na tela de um computador. Esperamos por tempos melhores.
ExcluirUm abraço, tenha um ótimo final de semana!