A maioria das escolas públicas que havia no Império do Brasil estava limitada a ensinar leitura, escrita e as quatro operações fundamentais da aritmética. Algumas, para dar um verniz de moralidade ao currículo, acrescentavam uma disciplina chamada "doutrina cristã" - católica, entenda-se, em conformidade com a religião oficial estipulada na Constituição de 1824. Não era muita coisa, mas era o que estava disponível para a maioria das crianças. O avanço, em relação ao que se encontrava no século precedente, ficava por conta da existência, em vários lugares, de escolas, ou pelo menos, classes, destinadas às meninas, regidas em geral por uma professora. Coeducação dos sexos? Nem pensar! Era fenômeno cuja aparição ainda provocava algum escândalo e não seria facilmente aceito por famílias conservadoras.
Gente mais endinheirada podia, no entanto, encaminhar os filhos para estudos nos colégios das capitais das províncias ou mesmo no Imperial Colégio de Pedro II, uma aspiração de todo menino que sonhava em progredir até à conclusão de um dos (pouquíssimos) cursos superiores então existentes no País (era por esse motivo que o luxo supremo ainda consistia em ir estudar na Europa). Mas como o Pedro II não tinha vaga para todos os potenciais estudantes, havia na Corte um número considerável de colégios particulares. Quase todos ofereciam regime de internato, para acomodar adolescentes que vinham de longe, já que naqueles tempos a maior parte da população vivia em áreas rurais, onde não havia escolas. Por suposto havia, também, colégios para meninas de famílias abastadas. Além dos costumes severos que vigoravam, uma outra razão para a resistência ao estabelecimento de escolas mistas é que os programas de estudos usuais para meninos e para meninas eram muito diferentes entre si.
Não existindo um currículo nacional obrigatório (o problema é antigo), o que acontecia, na prática, é que cada colégio acabava por ensinar aquilo que seus proprietários julgavam mais conveniente, levando em conta o interesse do público pagante. Havia quem tratasse logo de ministrar instrução prática em um ofício, ou de treinar para habilidades comerciais, ou ainda, não raro, de capacitar para o exercício de alguma função burocrática subalterna em um órgão público (aqui também é preciso notar que a aspiração é antiga). O currículo do Pedro II servia de modelo para instituições particulares que preparavam futuros acadêmicos, ainda que prevalecesse uma geral anarquia quanto aos programas das séries anuais. Era possível, em muitos colégios, que os alunos escolhessem quais matérias queriam cursar, com a "ajuda" dos palpites paternos, é claro. Como regra, uma formação supostamente humanística estava na moda, exceto para aqueles estudantes destinados às escolas militares.
Para dar uma ideia aos leitores do que é que se ensinava aos meninos e meninas que frequentavam colégios de elite na Corte, selecionei dois anúncios que apareceram no Almanaque Laemmert de 1852. O primeiro deles, de um colégio para meninos, especificava:
"Neste colégio, estabelecido em uma excelente, espaçosíssima e mui bem arejada casa, e em uma das melhores ruas desta Corte, ensinam-se todos os preparatórios para as academias do Império, e bem assim diversas outras línguas, ciências, belas-artes e exercícios." (¹)
Vinha, a seguir, a lista de disciplinas oferecidas: Leitura, Ortografia, Doutrina Cristã, Gramática, Caligrafia, Aritmética, Álgebra, Geometria, Geografia, História Universal, História do Brasil, Cosmografia, Cronologia, Leitura e Explicação da Constituição do Império, Noções de Ideologia, Retórica e Poética, Latim, Francês, Inglês, Alemão, Grego, História da Filosofia, Lógica, Psicologia, Moral, História Sagrada, Leitura do Saltério, Leitura das Odes Sacras do Padre Caldas, Desenho Linear, Desenho Elementar em Paisagens e Contornos, Desenho de Paisagem e de Sombreado, Cópias de Gesso, As Cinco Posições Naturais e Curvadas, Valsa, Solo Inglês, Quadrilhas, Piano, Flauta, Esgrima e Ginástica.
Esperavam mais alguma coisa, leitores? É fácil notar que o currículo era deficiente quanto ao que nós, hoje, chamaríamos de Ciências da Natureza.
Vejamos, agora, um anúncio de colégio para meninas. Dizia:
"Neste colégio se ensina a ler e escrever gramaticalmente, a contar e a executar todas as qualidades de bordados, branco, matizes, estofo de sombra de ouro, enfim todas as habilidades de agulha." (²)
Acrescentava, ainda, que, mediante pagamento adicional, as alunas podiam ter aulas de desenho, dança, piano e canto. E concluía:
"Os professores são da mais reconhecida habilidade para o bom desempenho da sua arte, e as alunas são tratadas com toda a limpeza e asseio, e com o maior carinho possível." (³)
(1) LAEMMERT, Eduardo. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano Bissexto de 1852. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1852, p. 337.
(2) Ibid, p. 342.
(3) Ibid.
Veja também:
Uma vez mais comento: "sou tão feliz por ter nascido na segunda metade do século XX"...
ResponderExcluirEspero que o meu filho um dia frequente uma universidade estrangeira, nem que seja de passagem. Porque é importante abrir-lhes horizontes. Quantos jovens adultos não voltavam da Europa com uma mentalidade "estranha" aos seus compatriotas?
Beijinhos, uma linda semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
Ir estudar em uma universidade estrangeira, para brasileiros do Século XIX, nem sempre era uma vantagem. Dependia de onde, claro. Havia (como hoje) instituições muito conservadoras, que apenas repetiam o saber "cristalizado"; outras, porém, eram centros de inovação e pesquisa. Como quase todos os do Brasil queriam estudar Direito, era raro que procurassem universidades do segundo tipo.
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