segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Tupinambás seriam bons franciscanos?

Quem veio com a ideia foi Gabriel Soares, autor do Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Observando que os indígenas e, especificamente, os tupinambás, pareciam não ter um senso de propriedade privada muito apurado, já que estavam dispostos a compartilhar tudo o que tinham com seus companheiros, chegou a sugerir que esses nativos seriam ótimos franciscanos:
"Têm estes tupinambás uma condição muito boa para frades franciscanos, porque o seu fato e quanto têm, é comum a todos os da sua casa que querem usar dele, assim das ferramentas, que é o que mais estimam, como das suas roupas, se as têm, e do seu mantimento; [...] quando estão comendo, pode comer com eles quem quiser, ainda que seja contrário (¹), sem lhe impedirem nem fazerem por isso carranca." (²)
Percebam, leitores, que temos aqui um caso muito interessante do que chamaríamos "choque cultural": por um lado, Gabriel Soares espantava-se com a postura dos indígenas quanto à posse de coisas que, na lógica do colonizador, deveriam ser de uso individual; de outra parte, já que os nativos eram tão desapegados em relação aos bens materiais (assim é que seu comportamento estava sendo interpretado), talvez dessem bons franciscanos... 
Apenas como conjectura, devemos considerar a possibilidade de que Gabriel Soares quisesse, discretamente, sugerir que franciscanos, e não jesuítas, é que deveriam trabalhar na catequese dos tupinambás. Independente disso, o conceito de que os indígenas tinham um estilo de vida próprio, que devia ser respeitado, e que só a eles competia decidir sobre eventuais mudanças não fazia parte do panteão de ideias de um colonizador típico do Século XVI. Fica só uma dúvida: estará isso devidamente claro nesta segunda década do Século XXI?

Indígenas do Brasil com seus pertences (³)

(1) Isto é, inimigo.
(2) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 322.
(3) NIEUHOF, Johan. Gedenkweerdige Brasiliaense Zee- en Lant-Reise und Zee- en Lant-Reize door verscheide Gewesten van Oostindien. Amsterdam: de Weduwe van Jacob van Meurs, 1682, p. 218.


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2 comentários:

  1. Nada claro, continuamos uns teimosos quadrados, com a mania de que o nosso modo de viver é o melhor e todos deviam esforçar-se para o alcançar. Já nem falo daqueles que o tentam impor à força...
    Muito lúcido, o seu post.
    Beijinhos
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. É isso mesmo. Em última análise, e com raríssimas exceções, sempre acaba prevalecendo aquele que recorrer à força com maior competência.

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