quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Uma festa para o governador-geral que foi ao Rio de Janeiro

As povoações fundadas no Brasil ao longo do primeiro século de colonização viviam, quase todas, em grande isolamento. As leis do Reino eram obedecidas quando se bem entendia, mesmo que houvesse algum tipo de autoridade nomeada e reconhecida. Como regra, fazia-se justiça com as próprias mãos.
Tanta liberdade tinha lá seus inconvenientes. O isolamento era um mau negócio quando era preciso defender uma localidade contra ataques externos (de piratas e corsários) ou internos (de povos indígenas, que, tendo sofrido injúrias, revidavam).
A lógica inicial da colonização, através de Capitanias Hereditárias, favorecia a descentralização. Esperava-se, é claro, que os donatários oferecessem ajuda uns aos outros sempre que necessário, mas até que um pedido de socorro chegasse aos vizinhos, é bem provável que uma catástrofe já houvesse acontecido. Além disso, o sistema de Capitanias fracassou, em grande parte porque donatários não se interessaram por elas, nem chegando a vir conhecê-las, ou porque não tinham recursos para investir na colonização.
O Governo-Geral, criado em 1548, restringiu a autoridade dos donatários, é verdade, em busca de uma centralização administrativa, mas não foi capaz de dar solução aos problemas gerados pelo isolamento dos núcleos de colonizadores. O que poderia fazer um governo com sede na Cidade da Bahia (Salvador), no caso de um ataque fulminante a uma vila nas Capitanias de Santo Amaro ou São Vicente? O próprio governador-geral evitava longas ausências de sua capital, segundo relatos da época, com receio de que a população aprontasse alguma sedição. É por isso que Frei Vicente do Salvador (¹) relata que, no final do Século XVI, quando o governador-geral Dom Francisco de Sousa foi ao Rio de Janeiro (²), houve por lá grandes festividades: "...se partiu para o Rio de Janeiro, donde foi recebido do capitão-mor, que então era Francisco de Mendonça, e do povo todo com muito aplauso, por ser parte onde nunca vão os governadores-gerais."
As festas, todavia, não foram capazes de camuflar as formidáveis encrencas que campeavam por terras fluminenses, de modo que ao governador coube mandar vir o ouvidor-geral, a fim de pôr fim às desordens. Continua Frei Vicente do Salvador:
"Achou tantos pleitos cíveis e crimes indícios, que para os haver de julgar lhe fora necessário deter-se ali muito tempo, pelo que mandou chamar o ouvidor-geral Gaspar de Figueiredo Homem, que se havia casado em Pernambuco, para o deixar ali."
Entrego aos leitores o imaginar qual seria a situação das pequeninas povoações no interior, se assim andavam as coisas no Rio de Janeiro, que, bem ou mal, ainda recebia alguma atenção dos funcionários coloniais, diante da evidente cobiça que despertava em monarcas europeus que sonhavam em conquistar para si mesmos uma fatia das promissoras terras do Continente Americano.

(1) História do Brasil; o manuscrito data de  c. 1627.
(2) Frei Vicente do Salvador diz que D. Francisco de Sousa saiu da Bahia em outubro de 1598, mas não declara a data de sua chegada ao Rio de Janeiro.


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