segunda-feira, 16 de junho de 2014

Uma virtude de Duarte da Costa, segundo governador-geral do Brasil

Se procurarmos em livros didáticos de História do Brasil, não teremos muita dificuldade em encontrar referências a Duarte da Costa, o segundo governador-geral, como sendo homem pouco apto à direção da Colônia. É bastante provável que essa ideia derive do fato de ter ocorrido, em seu governo, a invasão francesa no que hoje chamamos Rio de Janeiro e, como a expulsão dos "intrusos" só aconteceu no governo-geral seguinte (o de Mem de Sá), ficou Duarte da Costa com a má fama. Acrescente-se a isso o fato ter tido indisposições com autoridades eclesiásticas, particularmente o Bispo D. Pero Fernandes Sardinha (as intrigas com o clero eram muito frequentes na Colônia - não escasseavam as "disputas de precedência"), e ter-se-á o caldo de cultura ideal para o mau conceito que fazem de Duarte da Costa muitos livros com os quais se pretende ensinar História à criançada.
Repete-se e repete-se a mesma coisa, sem muita preocupação com que sejam verificadas outras e melhores fontes.
Frei Vicente do Salvador, cujo manuscrito da História do Brasil deve ter sido concluído por volta de 1627, viveu bem mais perto do tempo de Duarte da Costa que nós, gente que somos do Século XXI (¹). Sucede que o religioso parecia ter do governante uma visão bem mais favorável do que aquela que popularmente hoje se tem. Escreveu:
"Teve Dom Duarte da Costa, além de ser grande servidor de El-Rei, uma virtude singular, que por ser muito importante aos que governam não é bem que se cale, e é que sofria com paciência as murmurações que de si ouvia, tratando mais de emendar-se que de vingar-se dos murmuradores, como lhe aconteceu uma noite, que andando rondando a cidade (²), ouviu que em casa de um cidadão se estava murmurando dele altissimamente, e depois que ouviu muito lhes disse de fora: Senhores, falem baixo, que os ouve o Governador. Conheceram-no eles na fala, e ficaram mui medrosos que os castigaria, mas nunca mais lhes falou nisso, nem lhes mostrou ruim vontade ou semblante." (³)
Admitamos: se isso já seria incomensurável virtude política em uma democracia, que dizer em tempos de absolutismo? Era, a esse respeito, muito virtuoso, portanto, o homem.

(1) Duarte da Costa foi governador-geral entre 1553 e 1557.
(2) Era então a capital do Brasil chamada Cidade da Bahia; hoje a chamamos Salvador.
(3) SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil, c. 1627.


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