Ao empreenderem
a catequese no Brasil, os primeiros jesuítas que vieram do Reino encontraram
grandes dificuldades. Não tinham ainda na terra qualquer estabelecimento,
desconheciam completamente a língua e a cultura da população nativa e alguns
dos recém-chegados missionários acabaram por contrair doenças sérias.
Quem quer que
leia o relato de Anchieta sobre as condições do primeiro colégio em Piratininga (São Paulo)
facilmente perceberá que os padres, por vezes, viviam em grande penúria. É até
surpreendente que alguns tenham escapado com vida em situações de confronto com
indígenas. Fosse como fosse, porém, gradualmente a Companhia de Jesus chegou a
lançar raízes na América, de modo que melhores casas para os religiosos foram
estabelecidas, à medida que se firmava a reputação dos padres como educadores e
catequistas. Alguns religiosos alcançaram ótima compreensão da “língua geral”,
falada e entendida por indígenas do litoral, de modo que o ensino religioso
podia ser feito mais facilmente. Chegou-se, na época, a haver publicação de
gramática, esperando-se dos padres que se aplicassem em aprender o “grego da
terra”, indispensável, por exemplo, para ouvir confissões dos que eram
adicionados ao “grêmio da Igreja”.
Se devemos crer
no que escreveu Gabriel Soares, antes mesmo do fim do Século XVI já os jesuítas
viviam em boas condições na Bahia, pelo que se depreende deste relato, no qual
descreve o Colégio que então tinham na primeira capital do Brasil:
"Tem este
Colégio ordinariamente oitenta religiosos, que se ocupam em pregar e confessar
alguma parte deles, outros ensinam latim, artes, teologia e casos de
consciência, com o que tem feito muito fruto na terra; o qual está muito rico,
porque tem de Sua Majestade cada ano quatro mil cruzados [...], e importar-lhe-á a
outra renda que tem na terra outro tanto; porque tem muitos currais de vacas,
onde se afirma que trazem mais de duas mil vacas de ventre, que nesta terra
parem todos os anos, e tem outra muita granjearia de suas roças e fazendas onde
tem todas as novidades dos mantimentos, que se na terra dão em muita
abastança." (*)
Uma crítica que
se faz aos jesuítas enquanto educadores é que seu currículo era demasiadamente
teórico, enquanto o Brasil Colonial precisava desesperadamente de mestres de
ofícios práticos; afinal, latim e teologia podiam ser úteis para formar novos
religiosos segundo os valores europeus, embora fossem, talvez, menos urgentes
na América. Meninos portugueses que iam aos colégios obtinham instrução que deveria
ser completada na Europa, mas poucos teriam condições de fazê-lo. Ainda assim,
há que se valorizar o trabalho dos jesuítas como alfabetizadores, mesmo que, pelo
menos entre os brancos, tal obra se restringisse a crianças do sexo masculino. Com
raríssimas exceções, as meninas brancas da colônia eram absolutamente
ignorantes de tudo que não dissesse respeito aos rudimentos do catolicismo e
aos trabalhos domésticos.
Diante disso,
não faltou quem atribuísse o enorme desamor de muitos brasileiros às profissões
manuais e/ou mecânicas à educação ministrada pelos jesuítas nos tempos
coloniais. Mas já, aí, há um certo exagero. Essas deficiências de mentalidade podem
ter (e quase sempre têm) origens remotas, mas nada as obriga à persistência,
quando se sabe, conscientemente, que devem mudar, mesmo porque, tão forte
quanto a valorização das chamadas “artes liberais”, no sentido de desestimular
o interesse pelo trabalho manual, era o ininterrupto e eloquente discurso da
escravidão, que berrava a todo homem livre que trabalho era coisa de escravo.
Quanto aos jesuítas, não levaria muito tempo para que seu número se tornasse insignificante diante do crescimento da população, espalhada, além disso, pelo enorme território da Colônia. Simplesmente não havia padres-professores suficientes para atender à instrução básica das crianças em todas as cidades e vilas. Não surpreende, pois, que o mais crasso analfabetismo imperasse, a ponto de ser difícil, até, nomear quem exercesse o cargo de escrivão.
Quanto aos jesuítas, não levaria muito tempo para que seu número se tornasse insignificante diante do crescimento da população, espalhada, além disso, pelo enorme território da Colônia. Simplesmente não havia padres-professores suficientes para atender à instrução básica das crianças em todas as cidades e vilas. Não surpreende, pois, que o mais crasso analfabetismo imperasse, a ponto de ser difícil, até, nomear quem exercesse o cargo de escrivão.
(*) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 121.
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