quarta-feira, 18 de junho de 2014

Os jesuítas, o Colégio da Bahia e a instrução no Brasil Colonial

Ao empreenderem a catequese no Brasil, os primeiros jesuítas que vieram do Reino encontraram grandes dificuldades. Não tinham ainda na terra qualquer estabelecimento, desconheciam completamente a língua e a cultura da população nativa e alguns dos recém-chegados missionários acabaram por contrair doenças sérias.
Quem quer que leia o relato de Anchieta sobre as condições do primeiro colégio em Piratininga (São Paulo) facilmente perceberá que os padres, por vezes, viviam em grande penúria. É até surpreendente que alguns tenham escapado com vida em situações de confronto com indígenas. Fosse como fosse, porém, gradualmente a Companhia de Jesus chegou a lançar raízes na América, de modo que melhores casas para os religiosos foram estabelecidas, à medida que se firmava a reputação dos padres como educadores e catequistas. Alguns religiosos alcançaram ótima compreensão da “língua geral”, falada e entendida por indígenas do litoral, de modo que o ensino religioso podia ser feito mais facilmente. Chegou-se, na época, a haver publicação de gramática, esperando-se dos padres que se aplicassem em aprender o “grego da terra”, indispensável, por exemplo, para ouvir confissões dos que eram adicionados ao “grêmio da Igreja”.
Se devemos crer no que escreveu Gabriel Soares, antes mesmo do fim do Século XVI já os jesuítas viviam em boas condições na Bahia, pelo que se depreende deste relato, no qual descreve o Colégio que então tinham na primeira capital do Brasil:
"Tem este Colégio ordinariamente oitenta religiosos, que se ocupam em pregar e confessar alguma parte deles, outros ensinam latim, artes, teologia e casos de consciência, com o que tem feito muito fruto na terra; o qual está muito rico, porque tem de Sua Majestade cada ano quatro mil cruzados [...], e importar-lhe-á a outra renda que tem na terra outro tanto; porque tem muitos currais de vacas, onde se afirma que trazem mais de duas mil vacas de ventre, que nesta terra parem todos os anos, e tem outra muita granjearia de suas roças e fazendas onde tem todas as novidades dos mantimentos, que se na terra dão em muita abastança." (*)
Uma crítica que se faz aos jesuítas enquanto educadores é que seu currículo era demasiadamente teórico, enquanto o Brasil Colonial precisava desesperadamente de mestres de ofícios práticos; afinal, latim e teologia podiam ser úteis para formar novos religiosos segundo os valores europeus, embora fossem, talvez, menos urgentes na América. Meninos portugueses que iam aos colégios obtinham instrução que deveria ser completada na Europa, mas poucos teriam condições de fazê-lo. Ainda assim, há que se valorizar o trabalho dos jesuítas como alfabetizadores, mesmo que, pelo menos entre os brancos, tal obra se restringisse a crianças do sexo masculino. Com raríssimas exceções, as meninas brancas da colônia eram absolutamente ignorantes de tudo que não dissesse respeito aos rudimentos do catolicismo e aos trabalhos domésticos.
Diante disso, não faltou quem atribuísse o enorme desamor de muitos brasileiros às profissões manuais e/ou mecânicas à educação ministrada pelos jesuítas nos tempos coloniais. Mas já, aí, há um certo exagero. Essas deficiências de mentalidade podem ter (e quase sempre têm) origens remotas, mas nada as obriga à persistência, quando se sabe, conscientemente, que devem mudar, mesmo porque, tão forte quanto a valorização das chamadas “artes liberais”, no sentido de desestimular o interesse pelo trabalho manual, era o ininterrupto e eloquente discurso da escravidão, que berrava a todo homem livre que trabalho era coisa de escravo.
Quanto aos jesuítas, não levaria muito tempo para que seu número se tornasse insignificante diante do crescimento da população, espalhada, além disso, pelo enorme território da Colônia. Simplesmente não havia padres-professores suficientes para atender à instrução básica das crianças em todas as cidades e vilas. Não surpreende, pois, que o mais crasso analfabetismo imperasse, a ponto de ser difícil, até, nomear quem exercesse o cargo de escrivão.

(*) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 121.


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