Nos primeiros tempos da catequese empreendida por jesuítas no Brasil o líder era o Padre Manuel da Nóbrega. Embora Anchieta tenha, posteriormente, se destacado, vale lembrar que este, ao vir ao Brasil, era ainda um jovenzinho inexperiente, enquanto Nóbrega era um religioso de elevada reputação, tanto pela severidade dos costumes como pelo zelo missionário. Não obstante, é a Anchieta que se deve, em grande parte, o que sabemos sobre a obra de Manuel da Nóbrega no Brasil, pois era ele, desde noviço, quem em geral escrevia, tanto cartas como outros registros.
Assim, sabemos, por exemplo, que o Padre Manuel da Nóbrega tinha muita dificuldade para falar, o que resultava em longas missas; além disso, como não compreendia bem o falar dos povos indígenas, precisava de um intérprete para ouvir confissões (!):
"Dizia sempre missa e como era muito gago, gastava de ordinário nela uma hora e ali se lhe comunicava muito Nosso Senhor. Era mui solícito no rezar do Ofício Divino, no qual usava sempre do companheiro pelo mesmo impedimento da língua; mas não bastava isso para deixar o ofício da pregação, o qual exercitava visitando as povoações dos portugueses a miúdo, ouvindo juntamente suas confissões e remediando a todos; e as de suas mulheres, filhos, escravos e índios livres ouvia por intérprete, enquanto os Irmãos línguas não eram sacerdotes." (¹)
Deve-se esclarecer que "irmãos línguas" eram religiosos que ainda não haviam recebido a ordenação sacerdotal, mas que conheciam bem a língua dos indígenas e, por isso, atuavam como intérpretes. Aliás, era usual, naqueles tempos, em meio ao falar diário do Português, chamar "língua" a qualquer um que atuasse como intérprete, independente do idioma. Isto se explica em outro trecho, da mesma memória sobre Nóbrega:
"Como os Padres sacerdotes não sabiam a língua da terra, serviam os Irmãos de intérpretes para as doutrinas e pregações e confissões, ainda dos mestiços, mulheres e filhos dos portugueses, principalmente nas confissões gerais, para melhor se darem a entender e ficarem satisfeitos." (²)
Concluímos, pois, com uma constatação que o trecho acima nos permite: se as mulheres (índias ou mamelucas) e seus filhos com portugueses não falavam Português, é porque em casa deviam falar apenas a língua indígena. Ora, como se sabe, foi assim mesmo em São Paulo, até ir bem adiantado o Século XVIII.
(1) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 476.
(1) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 476.
(2) Ibid., p. 478.
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