A surpreendente resposta do padre Antônio Vieira, quando consultado sobre governantes para as Capitanias do Maranhão e do Pará
Antônio Vieira (sim, o padre dos famosos "Sermões") era figura de destaque na Corte portuguesa, ao tempo do rei D. João IV. Ainda assim, meteu na cabeça a ideia de que devia vir ao Brasil para trabalhar na catequese dos povos indígenas. Depois de algumas peripécias, chegou ao Maranhão, apenas para descobrir que não seria nada fácil o seu trabalho, e não por culpa dos índios. Governantes e governados tinham, na Capitania, pensamento muito diverso, em relação aos ameríndios, daquele que defendiam os missionários jesuítas. Governantes e governados achavam que os índios eram muito úteis, utilíssimos, mesmo, mas para trabalho escravo, ainda que legalmente o dito trabalho recebesse outros nomes.
Valendo-se do favor com que era visto na Corte, Vieira tratou de, por carta, levar ao conhecimento do rei os desmandos que se faziam contra a população nativa. Ora, em uma das respostas vindas do Reino, D. João IV perguntou ao padre se achava que seria melhor que as capitanias do Maranhão e do Pará tivessem governos separados, ou que fosse um só o governante de ambas. A resposta, surpreendente, foi esta:
"Eu, senhor, razões políticas nunca as soube, e hoje as sei muito menos; mas por obedecer direi toscamente o que me parece. Digo que menos mau será um ladrão que dois, e que mais dificultosos serão de achar dois homens de bem, que um." (¹)
Notável franqueza! Vieira não deixava dúvidas, portanto, quanto à ideia que fazia dos governantes que, do Reino, eram mandados às terras do Brasil. Já chegavam com o objetivo de acumular toda a riqueza que pudessem, uma vez que seu mandato não duraria para sempre. Portanto, tratavam do estabelecimento de lavouras para produzir tabaco. A mão de obra era, invariavelmente, dos índios, que, explorados até o limite de suas forças, pouco ou nada recebiam em troca. Nas palavras de Vieira, relativamente aos índios do Pará, "se serve quem ali governa como se foram seus escravos, e os trazem quase todos ocupados em seus interesses, principalmente no dos tabacos [...]." (²)
Detalhando o que acontecia, explicou ainda:
"Primeiramente, nenhum destes índios vai senão violentado e por força, e o trabalho é excessivo, e em todos os anos morrem muitos [...]; os nomes que lhes chamam e que eles muito sentem, feiíssimos, o comer é quase nenhum, a paga tão limitada que não satisfaz a menor parte do tempo, nem do trabalho [...]." (³)
Alguém teria dificuldade em perceber que tudo isso emperrava a catequese pretendida por Vieira, daí sua manifesta irritação com os administradores coloniais?
A bombástica missiva, escrita no Maranhão, seguiu para Lisboa com a data de 4 de abril de 1654.
A bombástica missiva, escrita no Maranhão, seguiu para Lisboa com a data de 4 de abril de 1654.
(1) VIEIRA, Pe. Antônio S. J. Cartas vol. 1. Lisboa Ocidental: Oficina da Congregação do Oratório, 1735, p. 49.
(2) Ibid., p. 51.
(3) Ibid.
Veja também:
Pepetela descreve essa ambição desmedida dos governadores no seu livro "A Sul. O Sombreiro" (2011). A obra começa com a seguinte tirada "Manuel Cerveira Pereira, o conquistador de Benguela, é um filho de puta."
ResponderExcluirTristes páginas da história portuguesa.
Querida Marta, quero agradecer a sua companhia ao longo de 2016 e desejar um Feliz Ano Novo, com muita saúde e alegrias.
Abraço festivo
Ruthia d'O Berço do Mundo
Obrigada! Que você tenha um 2017 maravilhoso, com muitos posts novos em O Berço do Mundo, para alegria de seus leitores.
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