Jean de Léry era francês. Protestante calvinista. Pelo primeiro motivo, indesejado no Brasil, ao menos sob o ponto de vista das autoridades portuguesas. Pelo segundo motivo, era visto com horror pelos missionários jesuítas, que o tinham na conta de uma praga ou doença contagiosa. Uma espécie de varíola ideológica, digamos.
A despeito de tudo isso, Léry chegou ao Brasil em 10 de março de 1557. Tendo participado da fracassada tentativa de estabelecimento de uma colônia francesa no Rio de Janeiro - a França Antártica - fez, do que viu em quase um ano na América do Sul, um relato inteligente e cuidadoso, pelo qual lhe somos, ainda hoje, muito agradecidos. Publicou-se esse relato na forma de livro com o título de Histoire d'un Voyage Faict en la Terre du Brésil, e é através dele que sabemos de muita coisa interessante sobre os índios tupinambás. Detalhe: como os tupinambás tinham os franceses como seus aliados, permitiam que circulassem livremente por suas aldeias, sem que corressem o risco de virar petisco em algum festim antropofágico. Foi em virtude dessa convivência pacífica que Léry, um jovem artesão quando chegou ao Brasil, pode aprender alguma coisa do vocabulário dos indígenas, de suas cantigas (que teve o cuidado de registrar) e dos hábitos que pautavam sua vida diária.
Lembram-se os leitores do que aconteceu aos primeiros indígenas que foram à embarcação que trouxe Cabral ao Brasil? Sim, falo do episódio relatado por Pero Vaz de Caminha, de acordo com o qual os jovens índios ficaram apavorados quando viram uma galinha... É que essas aves eram ainda desconhecidas na América, mas não para sempre. Segundo Léry, os tupinambás que viviam nas redondezas da França Antártica, tendo obtido dos europeus algumas galinhas brancas, passaram a criá-las, não pela carne (que detestavam), e nem pelos ovos (achavam que eram venenosos), e sim pelas penas. Tingidas de vermelho com a tinta extraída do pau-brasil, as penas eram usadas não somente para enfeitar tacapes, arcos e flechas, mas também para adornar o corpo dos nativos. Léry assegurou ter visto um tupinambá, no maior garbo, completamente coberto por penas vermelhas.
Que dizer? Tanto melhor para as araras-vermelhas que voejavam na Mata Atlântica!
A permanência de Léry no Brasil não chegou a durar um ano. Como se sabe, Villegagnon, o francês que comandava a França Antártica, decidiu "mudar de lado" quanto à religião, e a ideia de uma colônia calvinista de povoamento foi por água abaixo. Algum tempo depois, os franceses seriam expulsos pelos portugueses, que passaram a ver o Rio de Janeiro com outros olhos: não apenas um belo lugar, mas também um porto muito conveniente, em se tratando de conservar a posse das preciosas terras na América.
Quando isso aconteceu, porém, Jean de Léry já estava longe do Brasil. Depois de uma viagem trabalhosíssima, retornou à França, viveu mais aventuras e, indo a Genebra, onde estudou Teologia, veio a ser um pastor protestante. Morreu em Berna no começo do Século XVII.
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Combate entre indígenas, de acordo com a edição de Histoire d'un Voyage Faict en la Terre du Brésil publicada em Genebra no ano de 1580 |
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