Para quem acha que o melhor modo de deliberar sobre algum assunto importante é fazer com que todos os interessados sejam postos ao redor de uma mesa para um debate franco, o modo indígena de discutir coisas relevantes pode parecer estranho. Continha, porém, um princípio valioso: o respeito àquele que falava, para que pudesse expressar seu ponto de vista integral e claramente.
Tupinambás, além de outros grupos, tinham por costume jamais interromper alguém que falava - ouviam em estrito silêncio, pelo tempo que fosse necessário, segundo relato de Jean de Léry, francês que esteve no Brasil no Século XVI. Informação semelhante nos vem de Gabriel Soares, um colonizador e senhor de engenho, que também viveu no Brasil no Século XVI, mas na Bahia, e não no Rio de Janeiro, como Léry:
"Se assentam todos de cócoras, e como tudo está quieto, propõe o principal (¹) sua prática, a que todos estão muito atentos; e como acaba sua oração, respondem os mais antigos cada um por si, e quando um fala, calam-se todos os outros, até que vem a concluir no que hão de fazer [...]." (²)
Reunião em uma aldeia de índios coroados (³) |
Quanto poderia durar a deliberação? Ora, dependia do assunto, mas, segundo Léry (⁴), às vezes uma reunião tribal passava de seis horas. O detalhe pitoresco é que cada orador, ao invés de simplesmente falar, fazia uso, também, de um amplo gestual, batendo compassadamente os pés no chão ou as mãos no próprio corpo Valia, ainda, alterar, intencionalmente, a intensidade da voz. Estratégias de convencimento, é claro, próprias das culturas em questão, que não passaram despercebidas aos missionários que queriam catequizar indígenas. Mediante observação, os padres logo aprenderam que o ensino da doutrina e das histórias bíblicas seria mais atraente se apresentado no estilo que era familiar a seus ouvintes. E, se o método funcionava, os missionários (particularmente os jesuítas), não vacilavam em adotá-lo.
(1) Líder da aldeia indígena ou cacique.
(2) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 326.
(3) SPIX, Johann B. von et MARTIUS, Carl F. P. von. Atlas zur Reise in Brasilien. A imagem foi editada para facilitar a visualização nestes blog.
(4) LÉRY, Jean de. Histoire d'un Voyage Faict en la Terre du Brésil. Genève: Antoine Chuppin, 1580.
Maravilhoso relato, onde destaco: "...o respeito àquele que falava, para que pudesse expressar seu ponto de vista integral e claramente".
ResponderExcluirAfinal, quem era o civilizado? ;)
Um abraço, Marta :)
Quem era o civilizado? Essa pergunta tem-se repetido desde o início da colonização. Como em todas as culturas, havia coisas excelentes entre os povos indígenas, e alguns problemas também.
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