O Século XVII está no começo. Dois jesuítas, Francisco Pinto e Luís Figueira, saindo do Colégio de Pernambuco, iniciam uma longa caminhada com o propósito de estabelecer uma missão entre indígenas no Maranhão.
Não vão sozinhos: têm a companhia de alguns índios, já catequizados, que auxiliam no contato com grupos indígenas. Além disso, ajudam a transportar a bagagem dos dois padres. Como somos curiosos, leitores, iremos bisbilhotar o que é que carregam. Como? Há um relato interessante, feito pelo padre José de Moraes em A Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará:
"Caminhavam a pé, sem mais vitualhas que o altar portátil que levavam dois índios, algum vinho, hóstias, cera e uma pouca de farinha de pau (¹), usual sustento da terra, repartida pelas mochilas dos companheiros; sem mais outra vianda que o peixe e caranguejos, que a diligência dos índios encontrava por aquelas praias. Usavam de umas roupetas curtas para lhes ficarem mais desembaraçados os passos [...]; mas porque os charcos, pedras e lodos por onde precisamente haviam de passar eram muitos, consumidos logo nos primeiros dias os sapatos, se viram obrigados a caminhar descalços." (²)
A obra de José de Moraes somente foi escrita uns cento e cinquenta anos depois da missão de Francisco Pinto e Luís Figueira (³). Sabe-se de seu acesso a uma variedade de documentos, mas, conforme ele próprio explicou, em alguns casos seus relatos tiveram por fundamento a tradição, apenas. Apesar disso, podemos estar certos de que, ao empreenderem a viagem, os dois padres a que nos referimos entraram em um rumo de todo desconhecido para eles. Confiavam, pois, na lealdade e experiência dos indígenas já catequizados que tomavam por guias. Para a alimentação, esperavam achar pesca e alguma caça, a fim de complementar a magra dieta de farinha de mandioca. Na bagagem listada por José de Moraes, destacam-se os itens de uso religioso, a começar pela existência de um altar portátil. O mesmo autor, tratando de outras missões de catequese, faria referência ao uso de um móvel semelhante, o que nos leva à conclusão de que seu emprego era prática comum na época.
Não foi dessa vez, no entanto, que uma missão de jesuítas foi estabelecida no Maranhão. Ao chegar à Serra de Ibiapaba, a pequena caravana foi atacada por tapuias. Francisco Pinto foi morto, assim como alguns dos índios catequizados. Luís Figueira escapou, escondendo-se no mato. Depois de sepultar o companheiro, retornou a Pernambuco. Anos mais tarde, após a expulsão dos franceses do Maranhão, foi mandado a São Luís, onde uma nova luta o aguardava, não contra grupos indígenas que rejeitavam a catequese, mas contra os colonizadores que viam em cada ameríndio um escravo em potencial.
(1) Farinha de mandioca.
(2) MORAES, José de S.J. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1860, p. 30.
(3) A primeira edição foi publicada em 1759, mesmo ano em que o autor foi deportado para o Reino, no contexto das restrições e posterior extinção da Companhia de Jesus.
Veja também:
Grande deveria ser a fé desses homens, ao incumbirem-se de tal missão. Acreditavam na recompensa divina, com toda a certeza.
ResponderExcluirA propósito, Marta, por onde anda a fé, nos tempos que decorrem?
Um bom ano!
Por onde anda a fé? "εν ταχει πλην ο υιος του αντρωπου ελθων αρα ευρησει την πιστιν επι της γης..." rsrsrsrsssssss
ResponderExcluirQue você e sua família tenham um ano maravilhoso!!!
:)
ResponderExcluirExcelente resposta.
Haha, é porque não é minha, tem quase dois mil anos... rsrsrssss
ExcluirGostaria de um botão de teletransporte apenas para espreitar esses trajes curtos a que o autor faz referência (a natureza humana é tão bisbilhoteira). Brancos, ainda que jesuítas habituados à falta de conforto, sem sapatos... nem sei como chegaram ao destino!!
ResponderExcluirNão chegaram: um deles foi morto por indígenas, enquanto ao outro só restou a alternativa de retornar sem ter concluído a missão inicialmente proposta e que, mais tarde, seria retomada.
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