terça-feira, 13 de outubro de 2020

Dois bondes levavam doentes aos hospitais em São Paulo durante a pandemia de gripe espanhola

Últimos meses de 1918. A Primeira Guerra Mundial chegava ao fim, mas um de seus legados, a chamada gripe espanhola, fazia vítimas e mais vítimas mundo afora. Não era diferente no Brasil. Através da edição de 1º de novembro de 1918 do jornal Correio Paulistano pode-se ter uma ideia quanto à forma como a cidade de São Paulo enfrentou a pandemia, levando-nos a inevitáveis comparações com o que vem acontecendo ao longo deste ano de 2020, quando a pandemia é outra mas alguns problemas se repetem, como a exaustão dos profissionais de saúde pelo excesso de trabalho e a insuficiência dos serviços públicos diante da quantidade enorme de doentes. Vejam, leitores, esta notícia:
"Da Diretoria do Serviço Sanitário recebemos a seguinte comunicação:
Esta Diretoria insiste ainda hoje para que o público procure de preferência a hospitalização, onde encontrará todos os recursos, em médicos e remédios, o que se não dará em suas residências, pois já é grande o número de médicos enfermos, e os que ainda podem prestar socorro se acham exaustos, devido ao excessivo trabalho que vêm tendo nestes últimos dias.
Para que sejam satisfeitas as remoções pedidas pelos interessados, estes poderão pedi-las aos telefones [...], a fim de que as possa providenciar o mais rápido possível." (¹)
Havia, no entanto, muita gente que não tinha meios próprios para se fazer transportar ao hospital mais próximo. A solução adotada, que talvez pareça um tanto estranha, fazia sentido na época:
"Para os indigentes, a Light & Power cedeu dois bondes, que fará trafegar por toda a cidade, a fim de recolher os que não possam se dirigir a pé para os hospitais. Estes bondes percorrerão todos os pontos de onde forem pedidas remoções e depois conduzirão os enfermos para os hospitais respectivos, auxiliando, assim, da maneira a mais eficaz, o serviço de remoção a cargo do Desinfetório Central, que já vai se ressentindo da falta de pessoal e material destinado a esse serviço. [...]" (²)
Cento e dois anos depois, já não há bondes recolhendo os doentes, mas nossa geração que, graças aos desenvolvimento científico e tecnológico, se acreditava invencível, já sabe, agora, e por experiência, o que é uma pandemia. Como os que enfrentaram a gripe espanhola em 1918 e 1919, usamos máscaras, lidamos com incertezas e esperamos por dias melhores. Não somos, afinal, tão diferentes assim.

(1) CORREIO PAULISTANO, nº 19.873, 1º de novembro de 1918, p. 2.
(2) Ibid.


4 comentários:

  1. Havia menos meios, mas sobrava a angústia e o medo.
    Um post muito pertinente, Marta.

    Um bom fim-de-semana :)

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    1. É por isso que digo que, cem anos mais tarde, não somos tão diferentes assim. A atual pandemia nos mostrou isso.

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  2. Como deveria ser esse Desinfectorio Central? Como era realizada a contagem de casos e vítimas? Pertinente mesmo.

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    1. Boa noite, Verônica Argenteuil, esses eram tempos complicados, o Brasil não tinha muita estrutura para lidar com epidemias e, mais ainda, com uma pandemia. Nas cidades maiores havia alguma organização, mas nas menores a situação era muito difícil. Muitas localidades não tinham sequer um médico. O resultado disso é que não há números exatos quanto a infectados e óbitos, apenas estimativas. O problema não era só no Brasil. Alguns cálculos apontam para cerca de cinquenta milhões de vítimas no mundo todo. No Brasil, a estimativa é de cerca de trezentos mil óbitos.
      Há no blog outro post, publicado em 20 de maio de 2016, onde você encontrará mais detalhes. O título é: "Como o Brasil foi afetado pela pandemia de gripe espanhola".
      Obrigada por ler e comentar. Tenha um ótimo restante de semana!

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