terça-feira, 24 de abril de 2018

Indígenas, colonizadores e o hábito de fumar

Cachimbo indígena (do acervo do Memorial dos Povos Indígenas, Brasília - DF)

"Petum", para os indígenas, "erva-santa" (!!!), para os colonizadores portugueses: estamos falando, leitores, da Nicotiana tabacum, ou seja, da planta de que se obtém o tabaco e que era desconhecida na Europa antes dos descobrimentos dos Séculos XV e XVI. Quanto ao uso que dela faziam os indígenas, Yves d'Évreux, que esteve no Brasil na segunda década do Século XVII, observou:
"Trazem sempre na boca a erva do petum (tabaco ou fumo), cujo fumo expelem pela boca e narinas [...].
Apenas acabam de comer fumam o petum, e o mesmo praticam pela manhã e à noite, quando se levantam e deitam." (¹)
Ainda mais:
"Creem que esta erva os torna discretos, judiciosos e eloquentes, de forma que antes de começarem algum discurso usam dela [...].
Creem também que engolindo o fumo ficam alegres, joviais e prevenidos contra a tristeza e a melancolia." (²)
Décadas antes de d'Évreux, Gabriel Soares, um português que por dezessete anos foi senhor de engenho na Bahia (³), observou: 
"A folha dessa erva, como é seca e curada, é muito estimada dos índios e mamelucos e dos portugueses, que bebem [sic] o fumo dela, ajuntando muitas folhas destas, torcidas umas com as outras, e metidas em um canudo de folha de palma, e põem-lhe o fogo por uma fenda, e como faz brasa, metem este canudo pela outra banda na boca, e sorvem-lhe o fumo para dentro até que lhe sai pelas ventas fora." (⁴)
Bandeira do Império do Brasil, 
de acordo  com Debret - observe,
à direita, o ramo de tabaco (⁵)
Pois bem, leitores, a tal erva-santa não tardaria a ganhar importância econômica, a ponto de ser um dos principais itens de exportação do Brasil nos tempos coloniais. Europeus aprenderam a consumir tabaco e mesmo foi preciso uma proibição enfática para que deixassem de usá-lo no interior das igrejas. Eu falei dos tempos coloniais? Lembrem-se, então, do que a heráldica conservou no brasão do Império e nas Armas Nacionais da República. Talvez fosse prudente dar atenção a algo mais que escreveu Gabriel Soares, quanto aos colonizadores que aderiam ao hábito de fumar: "Tomam este fumo por mantença, e não podem andar sem ele na boca, aos quais dana o bafo e os dentes, e lhes faz mui ruins cores." (⁶)

(1) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 99.
(2) Ibid., pp. 99 e 100.
(3) Além de notável explorador do território brasileiro, sobre cuja fauna e flora escreveu como ninguém antes havia feito.
(4) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 200.
(5) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 3. Paris: Firmin Didot Frères, 1839. 
O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(6) SOUSA, Gabriel Soares de. Op. cit., p. 326.


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