Rousseau (¹) abriu discussão em Do Contrato Social afirmando que o homem nasce livre (²), mas que, a despeito disso, é visto aprisionado em toda parte. É certo que a prisão, neste caso, deve ser entendida como uma cadeia de circunstancias limitadoras da liberdade, e que pode assumir as mais variadas formas. Pensem nisso, leitores, e verão o quanto a família em que alguém nasce e em que lugar, assim como a condição socioeconômica dos pais, determinam o futuro de uma criança. Que se dirá, então, da época em que alguém vem ao mundo, com todas as suas implicações políticas?
Quase um século antes que Rousseau aparecesse neste planeta, o capuchinho francês Yves d'Évreux, de quem já falei aqui no blog, registrou uma conversa que teve com um indígena do Brasil, que se provava, então, um catecúmeno bastante questionador (³). Disse o índio:
"Nascem ao mesmo tempo dois meninos, um francês e outro tupinambá, ambos doentes e fracos, e não obstante, um nasce para gozar de todas as comodidades e o outro para viver pobremente.
Livres nascemos, um não tem mais do que outro, e, contudo, uns são escravos e outros Murubuichaues (⁴)." (⁵)
A óbvia pergunta subjacente é: Por quê?
O assunto era espinhoso também para o missionário:
"Respondi-lhe a tudo isto, dizendo ser muito pequeno nosso espírito para conceber coisas tão altas, reservadas por Deus só para si." (⁶)
Portanto, leitores, Yves d'Évreux esteve longe de ensaiar uma réplica. Não teve outra intenção, ao relatar o episódio, além de demonstrar a perspicácia do tupinambá, calando os críticos que opinavam ser a catequese de indígenas uma perda de tempo.
Portanto, leitores, Yves d'Évreux esteve longe de ensaiar uma réplica. Não teve outra intenção, ao relatar o episódio, além de demonstrar a perspicácia do tupinambá, calando os críticos que opinavam ser a catequese de indígenas uma perda de tempo.
(1) 1712 - 1778
(2) Será mesmo?
(3) Assumindo que d'Évreux não tenha exagerado na criatividade, a conversa entre ele e o índio, relatada em Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614, pode muito bem ser considerada como um dos mais notáveis registros desse gênero de que se tem notícia.
(4) Morubixabas eram os grandes chefes tribais indígenas.
(5) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 316.
(6) Ibid.
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