No Brasil Colonial (e mesmo durante o Império) as igrejas não tinham bancos
Em As Minas de Prata, José de Alencar descreve as matronas da cidade da Bahia (Salvador), isso em 1609, indo à igreja acompanhadas por escravos, cuja função era carregar almofadas para uso das respectivas senhoras:
"D. Luísa de Paiva e sua filha desceram do palanquim, e recebendo as saudações dos cavalheiros que estavam parados no adro, dirigiram-se à capela-mor onde já estavam as almofadas de veludo roxo, que então as damas faziam conduzir à igreja por pajens escravos."
Fantasia de autor de romance histórico? Não, as igrejas coloniais em geral não tinham bancos para os fieis que iam à missa, e só os membros do clero e aqueles que ocupavam altos cargos na administração colonial é que tinham cadeiras à disposição (¹). Esse mau costume de não haver bancos nas igrejas, como já veremos, existiu no Brasil por longo tempo, extrapolando (e muito) os dias coloniais.
Em sua breve permanência no Rio de Janeiro como oficial do Segundo Batalhão de Granadeiros do Exército Imperial, o alemão C. Schlichthorst teve ocasião para observar:
"O Rio de Janeiro possui umas quarenta igrejas, quase todas construídas com estilo e bom gosto. Internamente parecem-se muito umas com as outras. Afetam duas formas principais: rotundas e em cruz, com vastas naves bem ventiladas sem bancos nem cadeiras. [...] Poucas têm camarotes e tribunas para os ouvintes. Estes se ajuntam na nave, os homens de pé, as mulheres sentadas nos degraus dos altares ou, de pernas dobradas, no próprio chão. Durante a missa, se a aglomeração o permite, todos se ajoelham." (²)
Ora leitores, que incômodo!... E, vejam, era na capital do Brasil, e já nos dias do Império. Mas vamos adiante, que temos um outro registro, vindo dos anos finais do Período Regencial, escrito por Daniel P. Kidder, pastor e missionário metodista, de nacionalidade americana, que assistiu, na catedral de São Paulo, a um serviço religioso em comemoração ao aniversário de fundação da cidade (25 de janeiro):
"A construção dessa igreja, como em geral a das outras, no Brasil, não leva em consideração as conveniências do orador nem as do auditório. O púlpito fica de lado e o fundo da igreja é invariavelmente ocupado pelo altar-mor. A assistência não tem onde sentar, a não ser o piso de terra, de madeira ou de mármore, conforme a suntuosidade do templo. O chão é, às vezes, juncado de folhas, outras vezes coberto com tábuas limpas, sendo que, em alguns casos, vimos transportarem cadeiras para a igreja. Por ocasião de nossa visita, a grande área que ficava para o lado de dentro das grades estava cheia de senhoras sentadas à la turque, todas juntas. Assim instaladas com frente para o altar onde estava sendo celebrada a missa, não podiam olhar para o pregador, conquanto tivesse ele tido o cuidado de se colocar ao lado direito." (³)
Kidder vinha de uma tradição religiosa em que a fala do pregador era geralmente vista como o ponto central do serviço religioso, daí estranhar a localização do púlpito na lateral da igreja - para ele, não fazia sentido, mas era a regra nas igrejas brasileiras.
Só para mostrar que a falta de bancos continuou ao longo do Século XIX, vai aqui um relato feito pelo britânico Richard Burton, já na década de 1860, em que somos discretamente informados de que, afinal, o hábito segundo o qual os fieis assistiam aos ofícios religiosos em pé ou sentados no chão começava a dar sinais de cansaço e preparava a retirada:
"Todos entraram, os brancos tomando lugar à frente e os pretos atrás, os homens de pé e as mulheres sentadas no chão. O velho costume continua no interior (⁴); somente nas cidades mais civilizadas do Brasil, as igrejas dispõem de bancos." (⁵)
(1) A moda não foi inventada no Brasil, já que o mesmo acontecia na maior parte das igrejas medievais.
(2) SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro Como É (1824 - 1826). Brasília: Senado Federal: 2000, p. 112.
(3) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 199.
(4) Burton estava, nessa ocasião, em uma localidade no interior de Minas Gerais.
(5) BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Brasília: Senado Federal, 2001, pp. 278 e 279.
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