Antes do riso, leitores, tentem definir, vocês mesmos, o que é uma tartaruga. Lucas Rigaud, um chef que viveu entre os Séculos XVIII e XIX, cozinhando para vários monarcas europeus (inclusive em Portugal), escreveu um livro de enorme sucesso, cujo título era Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha, em que expunha algumas de suas principais receitas culinárias.
Ora, no tal livro, cuja primeira edição, datada de 1780, foi seguida de muitas outras, Rigaud explicava como preparar pratos, dos mais simples aos mais exóticos, e, dentre eles, alguns que tinham tartaruga como principal ingrediente. Cumpria, pois, antes de qualquer outra coisa, explicar o que era uma tartaruga. Estão prontos, leitores? Lá vai:
"A tartaruga é um animal de uma espécie particular, metido em uma concha manchada de diferentes cores; a cabeça e o rabo são como os da cobra, e os pés como os do lagarto; há tartaruga do mar, da terra e de água doce." (¹)
Temos razão para supor que Lucas Rigaud imaginava que seus leitores não estavam muito familiarizados com quelônios ou testudíneos - será que ele próprio estava?
Para satisfação dos curiosos, menciono apenas os títulos das receitas que seguiam a definição: "tartaruga de fricassé", "tartaruga de molho pardo", "tartarugas para dias de carne", esta última, com o uso de tartarugas-marinhas. Satisfeitos, senhores?
Só para provar que o chef Rigaud era o mais acabado mestre das definições, veremos mais uma, desta vez quando pretendia introduzir receitas usando galeirões (cozidos, assados no espeto, recheados):
"O galeirão é um pássaro, que quase sempre vive no mar ou nas lagoas, onde mergulha até ao fundo para procurar peixes miúdos, mariscos e outros insetos..." (²)
Não se espantem leitores. A explicação seguinte era ainda mais surpreendente: "Como participa da natureza de peixe e o seu uso é permitido na Quaresma [...], direi os melhores modos de se preparar." (³)
Um pássaro que "participa da natureza de peixe"? Ai! Com tal coleção de absurdos, colocar um "[sic]" nas citações faz-se de todo dispensável, concordam?
(1) RIGAUD, Lucas. Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha 5ª ed. Lisboa: Typografia Lacerdina, 1826, p. 273.
(2) Ibid., p. 282.
(3) Ibid.
Veja também:
Rigaud era um grande espertalhão, no mínimo. :)
ResponderExcluirUma boa semana, Marta :)
Mesmo assim, fez sucesso, e o livro que escreveu teve muitas edições.
ExcluirImagino que fosse o cúmulo da sofisticação na época, hehe.
ResponderExcluirO máximo da esquisitice, eu acho rsrsrsrsssss
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