Se você, leitor, fosse um proprietário rural, faria cultivar uma plantação de couves-flores com a finalidade de alimentar porcos? A ideia pode parecer estranha, mas era exatamente o que estava acontecendo em uma fazenda nas imediações de Teresópolis, quando, em 1866, por lá passaram Louis e Elizabeth Cary Agassiz, com outros membros de sua expedição científica:
"Embora seja bem pequena a distância daqui à capital [Rio de Janeiro], o transporte é tão difícil e dispendioso, que o Sr. d'Escragnolle em vez de mandar ao mercado do Rio os produtos de suas plantações, alimenta a couve-flor os porcos de sua fazenda." (¹)
Já se vê que ninguém plantava couve-flor com a intenção de prover comida para porcos, mas que isso acabava acontecendo simplesmente porque não compensava levar a produção para venda no Rio de Janeiro. As estradas eram horríveis e os gêneros agrícolas, expostos ao sol e à chuva e transportados dificultosamente nas costas de mulas, fatalmente chegariam à capital do Império em condições nada satisfatórias e a um preço proibitivo. Não valia mesmo a pena, nem para produtores e nem para consumidores.
Se a situação era essa perto da capital do Império, qual não deveria ser nas Províncias mais distantes!... Alguns anos mais tarde o Visconde de Taunay observaria, em relação aos pequenos produtores rurais de Santa Catarina:
"Causa dó e admiração ver por esses caminhos mal traçados, atirados por sobre o dorso de altaneiros morros, resvalosos e pejados de pedras, ver aqueles alemães, homens e mulheres, uns carregando aos ombros e às costas pesados fardos, outros tangendo cargueiros, a fazerem periódicas viagens para levarem aos consumidores leite, manteiga fresca, queijos, banha e hortaliça com que, às terças e sextas-feiras de cada semana, abastecem a cidade do Desterro.
Quando [...] se desperdiçam somas enormes por erros palmares de administração, não era muito buscar ajudar com pequenas quantias aquela população, que vê frustradas todas as esperanças fagueiras com que se embalava, mas que hoje resignada só pede um caminho suportável para poder dar saída aos produtos de seu constante e penoso lidar." (²)
Seria pedir demais? É de Augusto-Emílio Zaluar esta observação:
"Apenas deixamos o caminho de uma dessas fazendas, um atoleiro, uma ponte desmoronada, uma estiva rota, nos vem advertir que entramos na estrada pública, subvencionada pela nação e fiscalizada pelo governo (³) provincial!" (⁴)
A lista de consequências do caos nas (poucas) estradas existentes no Brasil do Século XIX seria grande. Menciono apenas três:
- 1. Não era estimulante produzir, porque quem cultivava a terra queria, naturalmente, vender e ter lucro, mas, sem a possibilidade de escoar a produção para os centros urbanos, só restava mesmo dar couve-flor aos porcos;
- 2. O abastecimento das cidades ficava prejudicado (no Rio de Janeiro, grande parte do que havia no mercado só podia chegar à cidade através do porto);
- 3. A população urbana tinha sério prejuízo, já que, em decorrência do abastecimento deficiente (em quantidade e qualidade), os preços dos alimentos eram quase sempre elevados.
Vê-se, portanto, que a deficiência na infraestrutura viária era um dos grandes problemas do Brasil no Século XIX.
Só do Século XIX? Os leitores sabem que não.
Só do Século XIX? Os leitores sabem que não.
(1) AGASSIZ, Jean Louis R. e AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 447.
(2) TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. Paisagens Brasileiras. Brasília: Ed. Senado Federal, 2009, p. 91.
(3) Neste caso, especificamente, a referência era ao governo da Província do Rio de Janeiro, e não ao da Corte - quando escreveu, o autor estava em Barra Mansa.
(4) ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação Pela Província de São Paulo 1860 - 1861. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1862, pp. 11 e 12.
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