Investimentos? Só em escravos!
Era abril de 1822 quando Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês em viagem pelo Brasil, escreveu:
"Quanto mais me aproximo da Capitania do Rio de Janeiro mais consideráveis se tornam as plantações (¹). Várias existem também muito importantes, perto da Vila de Resende. Proprietários desta redondeza possuem 40, 60, 80 e até 100 mil pés de café. Pelo preço do gênero devem estes fazendeiros ganhar somas enormes. Perguntei ao francês, a que me referi ontem, em que empregavam o dinheiro. "O Sr. pode ver, respondeu-me, que não é construindo boas casas e mobiliando-as. Comem arroz e feijão. Vestuário também lhes custa pouco, nada gastam também com a educação dos filhos que se entorpecem na ignorância, são inteiramente alheios aos prazeres da convivência, mas é o café o que lhes traz dinheiro (²). Não se pode colher café senão com negros; é pois comprando negros que gastam todas as rendas e o aumento da fortuna se presta muito mais para lhes satisfazer a vaidade do que lhes aumentar o conforto."" (³)
Escravos trabalhando acorrentados, de acordo com desenho aquarelado de Thomas Ender (⁶) |
Não, meus leitores, não passava pela cabeça, pelo menos da maioria desses escravocratas, que fosse necessário aplicar parte dos lucros em modernizar as práticas agrícolas. Bastava, supunha-se, aumentar o número de braços na lavoura - o que significava, na época, comprar mais escravos - e aumentar a área cultivada. O resto viria "naturalmente".
Mas não vinha. Escravos, como se sabe, eram seres humanos. Fugiam, morriam... O resultado disso é que os fazendeiros viam-se sempre envolvidos em comprar, geralmente a crédito, mais escravos, ao menos para repor os que haviam "perdido", pagando depois, quando vendessem a safra. Isso explicava, em parte, a lucratividade bem menor do que a que poderia, de fato, ser obtida.
O pior, no entanto, é que a visão curta desses fazendeiros continuou a vigorar pelos anos afora. A independência política não trouxe, para o Brasil, qualquer mudança significativa no plano econômico. E, tanto isso é verdade, que três décadas mais tarde, no primeiro número do jornal O Agricultor Brasileiro (⁴), datado de novembro de 1853, constava a seguinte afirmação:
"Presentemente o fim do agricultor é obter lucros das suas colheitas para comprar escravos que substituam os que lhe morrem todos os anos, para que com eles possa continuar a lavrar as suas terras [...]." (⁵)
(1) Antes de espalhar-se pelo chamado "Oeste Paulista" na segunda metade do Século XIX, o café foi bastante cultivado no Rio de Janeiro, particularmente no Vale do Paraíba, de onde passou a São Paulo, ainda no mesmo Vale do Paraíba.
(2) Cafeicultores da segunda metade do Século XIX adotariam um estilo de vida radicalmente diverso deste descrito por Saint-Hilaire em 1822.
(3) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, pp. 119 e 120.
(4) O Agricultor Brasileiro era um jornal voltado à discussão de questões relacionadas à lavoura, como pretexto para divulgar máquinas e equipamentos agrícolas vendidos pela Casa Nathaniel Sands & C., instalada no Rio de Janeiro à Rua da Alfândega, nº 20, que editava a publicação.
(5) O AGRICULTOR BRASILEIRO, Ano I, nº 1, p. 6.
(6) O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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