quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Os indígenas do Brasil e o hábito dos banhos frequentes

Crianças indígenas não faziam birra na hora do banho. Habituadas, desde muito pequenas, ao prazer do mergulho na água de um rio, dispensavam qualquer ordem peremptória do pai ou da mãe para que se banhassem. Explicou o jesuíta Fernão Cardim, que percorreu parte considerável do Brasil na penúltima década do Século XVI:
"[Os indígenas], andando caminho, suados, se botam aos rios, os homens, mulheres e meninos, em se levantando se vão lavar e nadar aos rios, por mais frio que faça; as mulheres nadam e remam como homens, e quando parem algumas se vão lavar aos rios." (¹)
Outro que notou o gosto ameríndio pelos banhos foi Yves d'Évreux, capuchinho francês que esteve no Maranhão entre 1613 e 1614. É dele este relato:
"Têm [os índios] muito cuidado na limpeza de seus corpos: lavam-se muitas vezes, e não se passa um só dia, em que não deitem muita água sobre si, em que se não esfreguem com as mãos por todos os lados para tirar o pó e outras imundícies." (²)
Por que os banhos frequentes dos indígenas surpreendiam colonizadores? Seria, talvez, porque, vindo de climas frios, não tinham o mesmo costume? Franceses que tentaram estabelecer uma colônia no Rio de Janeiro insistiram com as índias, inutilmente, para que usassem roupas. É que o vestir-se e despir-se, levando em conta os trajes europeus que lhes queriam impor, tomava tempo demais e era um desagradável empecilho à espontaneidade dos banhos. Jean de Léry, que viveu na França Antártica e, mais tarde, escreveu um livro (³), referiu que, para refrescar-se, ele e outros franceses que estavam no Brasil em 1557 haviam tomado banho no dia de Natal. A ideia era explicar a seus compatriotas que, no Hemisfério Sul, as estações eram inversas às do Hemisfério Norte. Portanto, em lugar de neve, havia o mais esplêndido sol em dezembro. Com o passar do tempo, europeus que vieram viver no Brasil e seus descendentes foram tomando gosto pelo que era, a princípio, um costume indígena, de modo que os banhos frequentes se tornaram um hábito também para a maioria dos brasileiros.

(1) CARDIM, Pe. Fernão S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, pp. 41 e 42.
(2) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 96.
(3) Histoire d'un Voyage Faict en la Terre du Brésil


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