A educação ministrada às crianças indígenas era essencialmente prática, conforme observaram aqueles que tiveram oportunidade de conviver com ameríndios nos primeiros tempos da colonização. Assim, desde cedo os pequenos eram estimulados a adquirir os saberes que garantiam a subsistência de sua comunidade e, nesse cenário, a imitação do que faziam homens e mulheres adultos era importante. Visto que a divisão sexual do trabalho era a regra, às meninas ensinava-se o preparo de alimentos, confecção de redes, cestaria, arte cerâmica e, se o grupo desenvolvia alguma atividade agrícola, deviam aprender também o cultivo de vegetais, já que eram geralmente as mulheres que faziam a maior parte desse trabalho. Aos meninos, por sua vez, estimulavam-se as virtudes guerreiras, incluindo a fabricação de armas e canoas, essenciais, essas últimas, para um deslocamento veloz em caso de guerra. Portanto, todo menino indígena deveria, tão logo tivesse idade para isso, aprender a empunhar um arco com destreza.
Entre os guaranis do Paraguai (que Félix de Azara pôde observar quando exercia o cargo de comandante da Comissão de Limites Espanhola entre 1789 e 1801), meninos que não tinham idade suficiente para a aprendizagem do uso de flechas exercitavam-se com um arco pequeno, dotado de uma rede, tendo bolas de argila endurecidas como projéteis, e isso para lástima entre os pássaros, conforme se lê em Viajes por la América del Sur:
"Os meninos, que se divertem com a caça de pássaros e pequenos animais, empregam outra espécie de arco (¹), mais fraco, de madeira mais flexível e elástica, mais fino e com cerca de três pés de comprimento. Eles ajustam as cordas, que se mantêm separadas paralelamente a menos de uma polegada de distância por meio de pequenas forquilhas de pau, através das quais passam as cordas. Pela metade de ditas cordas formam uma rede com fios, que serve para que se coloquem bolas de argila cozidas no fogo, do tamanho de uma noz, que fazem para essa finalidade." (²)
Não se pode negar o quanto o procedimento era engenhoso. Sigamos com a descrição de Azara, agora explicando como eram usadas as bolas de argila:
"Eles levam consigo uma bolsa cheia de ditas bolas; quando querem atirar, tomam quatro ou cinco com a mão esquerda, tendo o arco na mão direita, põem as bolas, umas depois das outras, na rede, e, em seguida, arqueando quanto podem, disparam juntos todas as bolas contra os pássaros que voam à distância de quarenta passos, e matam muitos (³), mas não fazem uso deste arco para atirar flechas nem para combater, ainda que uma de ditas bolas possa quebrar uma perna a 30 passos. [...]" (⁴)
Sem nenhuma cerimônia, Azara ainda ousou acrescentar esta observação horripilante: "Se os meninos da Europa aprendessem este exercício, não haveria tantos pardais." (⁵)
(1) Azara compara o arco usado pelos meninos àquele empregado por adultos.
(2) AZARA, Félix de. Viajes por la América del Sur 2ª ed. Montevideo: Imprenta del Comércio del Plata, 1850, p. 195.
Os trechos citados nesta postagem foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Quem esperaria outra coisa?
(4) AZARA, Félix de. Op. cit. pp. 195 e 196.
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