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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Contenda por um banco de igreja

Um banco na igreja foi motivo de discórdia entre população e vereadores em São Paulo no Século XVII


Embora pareça estranho para nós, que vivemos no Século XXI, é fato que, até bem adiantado o Século XIX, a maioria das igrejas no Brasil não tinha bancos em que pudessem sentar-se os que compareciam aos serviços religiosos.
Desconfortável? Sim, e pior para os fiéis do sexo masculino, que deviam ouvir missa em pé. Quanto às mulheres, era uso que permanecessem sentadas em almofadas que traziam de casa (ou que alguém, geralmente um escravo, era encarregado de trazer para a respectiva senhora). A dama que não levasse almofada acabava por sentar-se no chão. Por essa razão, mulheres se acomodavam perto do altar; homens, mais ao fundo da igreja.
Pois bem, sabendo que era esse o costume, vamos a um caso um tanto cômico ocorrido em São Paulo. Era o ano de 1632. Em ata da vereação de 10 de janeiro, pode-se ler:
"[...] pelo procurador foi dito que o banco que estava no meio da igreja em que se assentavam os oficiais era grande prejuízo e escândalo deste povo por se tratarem mal as mulheres, que lhes requeria outrossim, o que visto pelos ditos oficiais mandaram que se tirasse o dito banco [...]." (*)
No pressuposto do contexto da época, pode-se conjecturar: Será que o tal banco fora posto na igreja para melhor acomodar os senhores camaristas durante as celebrações religiosas ligadas ao Natal? Como, anteriormente, o livro de atas da Câmara de São Paulo não fazia qualquer referência ao descontentamento com o banco, é provável que não estivesse na igreja há muito tempo. Se admitirmos essa possibilidade, pode-se indagar se o banco fora lá "esquecido", talvez até intencionalmente. Não sabemos, mas nada nos custa imaginar os sussurros de indignação das mulheres de São Paulo, apontando o banco em que os que detinham o mando na vila podiam estar sentados com um grau de conforto que ninguém mais tinha. Desaforo! Abuso! Indecência!...
A fofoca devia grassar livremente, e talvez já fosse do conhecimento dos camaristas. Só restava, mesmo, dar ordem para que o banco fosse posto fora da igreja.

(*) O trecho da ata aqui citado foi transcrito na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão.

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sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Pecados nos engenhos

Apoiados na distância das autoridades e na posição econômica, senhores de engenho viam-se livres para fazer, muitas vezes, o que bem entendessem


Engenhos de açúcar estabelecidos no Brasil Colonial eram lugares que desfrutavam de uma grande autonomia, pelo menos sob a perspectiva dos senhores. Eram eles, o ápice da pirâmide socioeconômica, que decidiam como queriam viver. Ainda que não tivessem formalmente esse direito, exerciam um mando de vida e morte sobre todos os demais que moravam no engenho, fossem eles membros da própria família, trabalhadores assalariados ou escravos. 
Assim, mesmo a religião, fator de controle tão importante na época, não conseguia impedir deslizes éticos e morais, até porque, mesmo nos engenhos que dispunham de capela e padre para a celebração de missas e outras cerimônias, o salário do religioso era pago pelo senhor - quem poderia imaginar mordaça mais eficiente do que essa?
Entre 1583 e 1590, Cristóvão de Gouvêa, jesuíta, efetuou, em companhia de outros religiosos, uma "visitação" por várias localidades do Brasil, especialmente as que tinham colégios e missões da Companhia de Jesus. O relatório dessa viagem foi feito pelo padre Fernão Cardim, que notou, ao que parece com algum alívio, que os religiosos, quando era necessário buscar hospedagem em engenhos, eram acolhidos com muita deferência, o que não impedia a constatação de que, neles, a elite colonial se sentia livre para todos os pecados:
"Os encargos de consciência são muitos, os pecados que se cometem neles não têm conta; quase todos andam amancebados por causa das muitas ocasiões. Bem cheio de pecados vai esse doce (¹), porque tanto fazem: grande é a paciência de Deus, que tanto sofre." (²) 
O modo de lidar com esse fenômeno atendia, na época, pelo nome de Inquisição. Mas, como se sabe, as visitações do Santo Ofício dificilmente lançariam seus tentáculos tão longe. 

(1) Referência ao açúcar.
(2) CARDIM, Pe. Fernão, S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, p. 56.


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