sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Pecados nos engenhos

Apoiados na distância das autoridades e na posição econômica, senhores de engenho viam-se livres para fazer, muitas vezes, o que bem entendessem


Engenhos de açúcar estabelecidos no Brasil Colonial eram lugares que desfrutavam de uma grande autonomia, pelo menos sob a perspectiva dos senhores. Eram eles, o ápice da pirâmide socioeconômica, que decidiam como queriam viver. Ainda que não tivessem formalmente esse direito, exerciam um mando de vida e morte sobre todos os demais que moravam no engenho, fossem eles membros da própria família, trabalhadores assalariados ou escravos. 
Assim, mesmo a religião, fator de controle tão importante na época, não conseguia impedir deslizes éticos e morais, até porque, mesmo nos engenhos que dispunham de capela e padre para a celebração de missas e outras cerimônias, o salário do religioso era pago pelo senhor - quem poderia imaginar mordaça mais eficiente do que essa?
Entre 1583 e 1590, Cristóvão de Gouvêa, jesuíta, efetuou, em companhia de outros religiosos, uma "visitação" por várias localidades do Brasil, especialmente as que tinham colégios e missões da Companhia de Jesus. O relatório dessa viagem foi feito pelo padre Fernão Cardim, que notou, ao que parece com algum alívio, que os religiosos, quando era necessário buscar hospedagem em engenhos, eram acolhidos com muita deferência, o que não impedia a constatação de que, neles, a elite colonial se sentia livre para todos os pecados:
"Os encargos de consciência são muitos, os pecados que se cometem neles não têm conta; quase todos andam amancebados por causa das muitas ocasiões. Bem cheio de pecados vai esse doce (¹), porque tanto fazem: grande é a paciência de Deus, que tanto sofre." (²) 
O modo de lidar com esse fenômeno atendia, na época, pelo nome de Inquisição. Mas, como se sabe, as visitações do Santo Ofício dificilmente lançariam seus tentáculos tão longe. 

(1) Referência ao açúcar.
(2) CARDIM, Pe. Fernão, S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, p. 56.


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