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domingo, 19 de janeiro de 2025

Uma capivara roeu a árvore da eternidade

Colonizadores em geral, e missionários em particular, tinham predileção por afirmar que indígenas do Brasil não manifestavam nenhuma forma de religião. Deviam estar pensando em religião institucionalizada, como os europeus conheciam. Mas é fato que cada povo da América do Sul, e não só do Brasil, tinha lá suas crenças, algumas muito elaboradas, a que poderíamos chamar até de religião de Estado, como acontecia entre os incas, outras bastante simples, ligadas aos fenômenos da existência como nascimento e morte. É o que se vê nesta lenda indígena muito simpática, que, segundo o cônego João Pedro Gay (¹), era contada com certo humor pela tribo dos mocobis, para explicar por que as almas dos mortos não podiam mais chegar ao céu.
Houve um tempo - diz a lenda - em que uma grande árvore ligava a terra ao céu. Quem morria escalava a árvore e ia viver em um lugar maravilhoso, com lagos e rios repletos de peixes excelentes para pescar. Sim, meus leitores, não só os mocobis, como muitos outros povos, mundo afora, imaginavam uma vida após a morte que era apenas uma versão repaginada da vida na terra.
Continuemos, dando a palavra ao cônego João Pedro Gay:
"[...] um dia que a alma de uma velha nada pôde pescar e que se lhe negou uma esmola para seu sustento (²), o céu se irritou tanto contra a nação mocobi, que transfigurada em capivara a velha, teve que roer o tronco da árvore (³) por onde se subia ao céu até cair, cujo acontecimento causou um dano irreparável a toda a nação." (⁴)
É certo que uma lenda como essa revela muito sobre a visão de mundo do povo que a gerou, assim como retrata seu relacionamento com elementos da natureza com os quais convivia. Era, por outro lado, e a seu modo, um reflexo da desesperança que, afinal, em culturas as mais diversas, com diferentes graus de complexidade, pode ser encontrada neste mundo, com todas as incertezas que o cercam.



(1) Cônego em São Borja - RS no Século XIX e estudioso das missões jesuíticas na América do Sul.
(2) Vê-se que essa versão do céu não exigia que as almas fossem de gente pura e livre de pecados. A pouca caridade continuava por lá...
(3) Não lhe deram peixe, virou capivara e, como fazem as capivaras, pôs-se a roer o que achou, já que estava faminta.
(4) GAY, João Pedro. História da República Jesuítica do Paraguay. Rio de Janeiro: Typ. de Domingos Luiz dos Santos, 1863, p. 107.


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Observação importante!

As imagens que ilustram esta postagem foram geradas por inteligência artificial. Sim, eu posso explicar, amigos leitores. Onde é que eu iria encontrar uma imagem de capivara roendo árvore? Dito isto, comecei a bulir em um aplicativo de IA, e vocês podem ver o resultado. Não resisti à tentação de publicar. Espero que não considerem um pecado muito grave. Quanto ao texto, é 100% humano, como são e sempre serão os textos deste blog.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Animais na História do Brasil (Parte 6): A capivara

"O sol deitou-se, e de novo se levantou no céu. Os guerreiros chegaram aonde a serra quebrava para o sertão; já tinham passado aquela parte da montanha, que por ser despida de arvoredo e tosquiada como a capivara, a gente de Tupã chamava Ibiapina."
                                                                                                                          José de Alencar, Iracema

Hans Staden descreveu a capivara como sendo um animal que podia viver tanto na água como sobre a terra. Tinha, segundo ele, o tamanho superior ao dos cordeiros, a cabeça parecida com a de uma lebre e orelhas curtas, pernas altas proporcionalmente ao corpo, pelo escuro, três unhas em cada uma das patas e, ressaltava, a carne semelhante à de porco. É recorrente, em diversos autores, a visão dos animais meramente como caça, para alimentação, fato a que já me referi nas postagens anteriores.

Capivara pastando à margem de um lago

Compelido a viajar pela rota das monções em 1751, o Conde de Azambuja, D. Antônio Rolim, deixou anotada uma observação sobre a caça às margens do Tietê:
"De caça de pele neste rio só pacas e capivaras. As primeiras são do tamanho de um leitão, com os pés curtos, o pelo como de cão pardo-escuro. Das outras o feitio é de rato, principalmente o da cabeça; o pelo na aspereza é de porco, mas pardo; são do tamanho de um marrão, e o gosto não é bom; a paca sim é mui gostosa." (¹)
Os leitores podem recordar-se de que, em postagens anteriores desta série, outros viajantes relataram uma diversidade bem mais significativa de animais "caçáveis" às margens do mesmo Tietê. O que teria ocorrido em tão breve intervalo de tempo, fazendo com que os animais desaparecessem? Talvez seja possível aplicar também neste caso as palavras do Padre Ayres de Casal, ao referir-se à desaparição de aves chamadas guarás no Maranhão:
"As espingardas têm feito maior destruição nestes viventes em três séculos do que as taquaras dos indígenas em toda a antiguidade." (²)

(1) TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas tomo 3, 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975, pp. 201 e 202.
(2) Corografia Brasílica, vol. 2, 1817, p. 263.


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