"Vede o homem que vai na frente do bond elétrico. Tendo a seu cargo o motor, deixou de ser cocheiro, como os que regem bestas, e chamamos-lhe motorneiro em vez de motoreiro, por razão de eufonia. Há quem diga que o próprio nome de cocheiro não cabe aos outros, mas é ir longe demais, e em matéria de língua, quem quer tudo muito explicado, arrisca-se a não explicar nada."
Machado de Assis, Gazeta de Notícias, 14 de outubro de 1894
Na década de 90 do Século XIX a capital do Brasil, o Rio de Janeiro, começou a ter seus bondes de tração animal substituídos, gradualmente, por bondes elétricos. Em 16 de outubro de 1892, Machado de Assis escrevia na Gazeta de Notícias:
"Não tendo assistido a inauguração dos bonds elétricos, deixei de falar neles. Nem sequer entrei em algum, mais tarde, para receber as impressões da nova tração e contá-las. Daí o meu silêncio da outra semana. Anteontem, porém, indo pela Praia da Lapa, em um bond comum, encontrei um dos elétricos, que descia. Era o primeiro que estes meus olhos viam andar."
Não tardou, porém, a que acidentes com vítimas fatais levassem a questionamentos sobre o novo sistema de transporte urbano. Muita gente o tinha como perigoso demais. Os burros eram mais lentos e, portanto, mais seguros...
Inúteis as reclamações - os bondes elétricos tiveram vida longa. O próprio Machado de Assis, em 12 de abril de 1896, na mesma Gazeta de Notícias, relataria o caso de uma companhia de bondes que se viu obrigada a indenizar o proprietário de um cavalo que, atingido por um de seus veículos, morreu:
"A Companhia Vila Isabel foi condenada a pagar ao dono de um cavalo, morto por um de seus carros, a soma de sessenta contos de réis. Não é demais, tratando-se de animal de fina raça. Conheço pessoas que não valem tanto; algumas podem dar-se de graça e não raras ainda levariam cem ou duzentos mil réis de quebra."
Deixemos de lado o viés algo pérfido do relato. Machado prossegue suas considerações:
"Nem todos os cocheiros são imprestáveis, grosseiros, desobedientes: nem todos atropelam a gente pedestre; nem todos precipitam o carro antes que uma senhora acabe de descer. Dizem até que há alguns, poucos, que quando bradam, avisando: - Olha à esquerda! olha à direita! moderam naturalmente o galope dos animais, para que os avisados tenham tempo de escapar às carroças ou andaimes que estão no caminho."
Por um bom tempo os dois sistemas, o de tração animal e o elétrico, coexistiram pelas ruas da capital do Brasil. Durante anos discutiu-se, também, quantos passageiros cada banco de um bonde poderia levar. As autoridades determinavam um número, as empresas de bondes teimavam em outro. Annibal Amorim, militar brasileiro que esteve em Montevideo em 1911, observou com desgosto o quanto o sistema de bondes usado no Uruguai era superior ao empregado no Rio de Janeiro:
"Esses veículos são confortáveis e elegantes.
Os nossos correriam envergonhados, se os vissem.
Entra-se neles pela face posterior. As laterais são envidraçadas, abrigando, assim, os passageiros da chuva ou da poeira. Bancos estofados para duas pessoas, e um longo corredor onde transitam o condutor e o fiscal, que, de instante a instante, vem marcar el boleto. Ordem, asseio, rapidez e comodidade. São todos providos de limpa-trilhos.
Os do Rio são incômodos e antiestéticos, com bancos para quatro e cinco pessoas, que se atropelam, que se pisam e que se empurram, abrutalhadamente. Em todo o caso, já é um progresso, em vista dos bondes de tração animal, que, há pouco mais de dois anos, serviam esta grande cidade de província, que é o Rio de Janeiro. Não se vê em Montevideo o que se vê nos bondes da linha de Botafogo: motorneiros à paisana, com chapéu mole à cabeça, uma verdadeira indecência. Nada custara à companhia distribuir bonés aos seus motorneiros, sob desconto." (¹)
As coisas, no entanto, podiam ser ainda piores. É o mesmo Annibal Amorim quem conta, a propósito dos bondes que viu no Recife:
"Uma nota, muito curiosa, acerca dos bondes da Mauriceia: São puxados a burros, e iluminados a luz elétrica! Não rias, leitor amigo, que é a pura verdade. Os estudantes dão-lhes, com muito espírito, o nome de eletroburros. É bem achado." (²)
Vejam os senhores leitores que, em se tratando de transporte coletivo no Brasil, as mudanças têm ocorrido no sentido da substituição, apenas, de um sistema por outro. Saem os demasiado obsoletos, entram outros em seu lugar e, como regra, com muito atraso e insuficientes face à demanda. Ou seja, mesmo havendo mudança nos meios de transporte, os problemas são quase sempre os mesmos. Quantitativa e qualitativamente.
Não tardou, porém, a que acidentes com vítimas fatais levassem a questionamentos sobre o novo sistema de transporte urbano. Muita gente o tinha como perigoso demais. Os burros eram mais lentos e, portanto, mais seguros...
Inúteis as reclamações - os bondes elétricos tiveram vida longa. O próprio Machado de Assis, em 12 de abril de 1896, na mesma Gazeta de Notícias, relataria o caso de uma companhia de bondes que se viu obrigada a indenizar o proprietário de um cavalo que, atingido por um de seus veículos, morreu:
"A Companhia Vila Isabel foi condenada a pagar ao dono de um cavalo, morto por um de seus carros, a soma de sessenta contos de réis. Não é demais, tratando-se de animal de fina raça. Conheço pessoas que não valem tanto; algumas podem dar-se de graça e não raras ainda levariam cem ou duzentos mil réis de quebra."
Deixemos de lado o viés algo pérfido do relato. Machado prossegue suas considerações:
"Nem todos os cocheiros são imprestáveis, grosseiros, desobedientes: nem todos atropelam a gente pedestre; nem todos precipitam o carro antes que uma senhora acabe de descer. Dizem até que há alguns, poucos, que quando bradam, avisando: - Olha à esquerda! olha à direita! moderam naturalmente o galope dos animais, para que os avisados tenham tempo de escapar às carroças ou andaimes que estão no caminho."
Por um bom tempo os dois sistemas, o de tração animal e o elétrico, coexistiram pelas ruas da capital do Brasil. Durante anos discutiu-se, também, quantos passageiros cada banco de um bonde poderia levar. As autoridades determinavam um número, as empresas de bondes teimavam em outro. Annibal Amorim, militar brasileiro que esteve em Montevideo em 1911, observou com desgosto o quanto o sistema de bondes usado no Uruguai era superior ao empregado no Rio de Janeiro:
"Esses veículos são confortáveis e elegantes.
Os nossos correriam envergonhados, se os vissem.
Entra-se neles pela face posterior. As laterais são envidraçadas, abrigando, assim, os passageiros da chuva ou da poeira. Bancos estofados para duas pessoas, e um longo corredor onde transitam o condutor e o fiscal, que, de instante a instante, vem marcar el boleto. Ordem, asseio, rapidez e comodidade. São todos providos de limpa-trilhos.
Os do Rio são incômodos e antiestéticos, com bancos para quatro e cinco pessoas, que se atropelam, que se pisam e que se empurram, abrutalhadamente. Em todo o caso, já é um progresso, em vista dos bondes de tração animal, que, há pouco mais de dois anos, serviam esta grande cidade de província, que é o Rio de Janeiro. Não se vê em Montevideo o que se vê nos bondes da linha de Botafogo: motorneiros à paisana, com chapéu mole à cabeça, uma verdadeira indecência. Nada custara à companhia distribuir bonés aos seus motorneiros, sob desconto." (¹)
As coisas, no entanto, podiam ser ainda piores. É o mesmo Annibal Amorim quem conta, a propósito dos bondes que viu no Recife:
"Uma nota, muito curiosa, acerca dos bondes da Mauriceia: São puxados a burros, e iluminados a luz elétrica! Não rias, leitor amigo, que é a pura verdade. Os estudantes dão-lhes, com muito espírito, o nome de eletroburros. É bem achado." (²)
Vejam os senhores leitores que, em se tratando de transporte coletivo no Brasil, as mudanças têm ocorrido no sentido da substituição, apenas, de um sistema por outro. Saem os demasiado obsoletos, entram outros em seu lugar e, como regra, com muito atraso e insuficientes face à demanda. Ou seja, mesmo havendo mudança nos meios de transporte, os problemas são quase sempre os mesmos. Quantitativa e qualitativamente.
(2) Ibid., p. 76.
(3) SELLIN, Alfred Wilhelm. Das Kaiserreich Brasilien. Leipzig: Frentag, 1885, p. 18. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
É, já há alguns séculos que o sistema público de transportes é motivo de protestos. E também há sempre vozes contra a mudança, os "velhos do Restelo" que pretendem a todo o custo evitar qualquer alteração no mundo e na forma de se fazerem as coisas.
ResponderExcluirImagina o Machado de Assis perante a rede de metropolitano, hehe?
Beijinho, uma doce semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
Quando a gente começa a ler os escritos de Machado de Assis como jornalista, fica difícil evitar a constatação de que o homem era mesmo um tanto resistente a mudanças.
ExcluirJá quanto aos transportes públicos no Brasil, pode-se dizer que têm, hoje, dois defeitos fundamentais: são insuficientes e, quase sempre, de muito má qualidade.